Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Piripkura

A comunidade invisível

por Bruno Carmelo

Uma legenda inicial informa o público que os índios da comunidade Piripkura foram exterminados por fazendeiros e grileiros da região do Mato Grosso. De que se tenha notícia, restaram apenas três: Rita, que se mudou para Rondônia e aprendeu um pouco do português, e seus familiares Tamandua e Pakyî, vivendo em localização imprecisa pela vegetação local. Um funcionário da FUNAI explica que os índios são considerados “bichos” por muitos homens brancos, tendo sido mortos sem qualquer tipo de criminalização dos atos, pelo contrário: esta seria uma atitude patriótica, porque “índios atrapalham o desenvolvimento do país”.

Piripkura aborda portanto um desaparecimento. Não por acaso, investe numa aproximação temerosa com os poucos índios restantes. A câmera registra Rita de longe, entre as roupas no varal, depois busca passos humanos na lama, pequenos movimentos através das folhas, um tronco cortado pelo caminho que possa indicar utilização humana. Quando a câmera se depara com os índios não localizados há muitos anos, a emoção é tamanha que a imagem hesita em se aproximar, observando de longe como quem admira, justamente, um animal em extinção. Depois, efetua um zoom agressivo, apenas para voltar segundos depois, como se tivesse se arrependido da ousadia. O filme caminha no limite tênue da fetichização, documentando os índios com uma admiração que beira o paternalismo.

Felizmente, uma série de momentos bem orquestrados dissipam esta armadilha. As cenas em que Rita se desloca livremente pelo local, ou quando Tamandua e Pakyî cozinham um animal nos trazem de volta ao olhar fatual de viés antropológico. Outros momentos de poesia comprovam que os cineastas Mariana OlivaRenata TerraBruno Jorge não ficam reféns dos elementos da natureza à disposição, buscando construir suas próprias poesias, a exemplo das belas imagens de formigas caminhando por um varal e da chuva escorrendo pelo telhado. O resultado sempre melhora quando o trio decide produzir um universo ao invés de apenas apreender a realidade.

Alguns momentos, no entanto, demonstram dificuldade de trabalhar no ambiente da floresta. A fotografia ora oferece composições cuidadosas (os índios na rede, a partida da dupla Piripkura rumo ao final), ora se contenta com a luz lavada dos interiores, o foco que se perde ou a objetiva da câmera que se molha (ou suja?) durante as caminhadas. O improviso certamente faz parte deste processo, gerando um resultado estético desigual - nem puramente controlado, nem inteiramente capaz de abraçar a precariedade do local. Os tons se alternam entre o despojamento e a vontade de estetização, entre compreender os índios por seu próprio ponto de vista ou observá-los de longe, interferindo o menos possível.

No que diz respeito à produção de conhecimento, Piripkura possui alcance limitado. Com pouquíssimos personagens em cena, toda a reflexão política e social vem de Jair, um funcionário da FUNAI que discorre vagamente sobre os perigos de extinção das comunidades indígenas. Ele afirma que a situação piorou, que o governo não se preocupa, que os riscos de morte para os índios são evidentes. Trata-se de afirmações verídicas, sem dúvida, porém pobres como compreensão do mundo. Jair e seus colegas desempenham um trabalho extenso de busca pelos índios, mas o trabalho investigativo dos diretores é insuficiente para analisar as origens do problema, sua evolução e os possíveis rumos no futuro. Deduz-se pouco sobre as especificidades destes três protagonistas indígenas em relação a outras comunidades equivalentes.

Ainda assim, o resultado tem boa noção de ritmo e uma vontade importante de associar a crise indígena aos rumos do país - vide a discreta incursão do impeachment de Dilma Rousseff no projeto, através da televisão. Talvez não se trate do melhor retrato da memória, nem da política de extermínio indígena fomentada por certas bancadas de deputados, mas ostenta um tratamento tão singelo quanto humanista.