Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Miriam Mente

Consciência de classe?

por Bruno Carmelo

Miriam (Dulce Rodríguez) está prestes a celebrar a sua festa de 15 anos. Ela precisa dançar com um parceiro na cerimônia, e pensou em chamar o namoradinho com quem conversa pela Internet. Mas a garota tem um receio: revelar à família que Jean-Louis é negro. Esta ideia simplicíssima seria adequada a um curta-metragem, ou talvez como uma cena pontual de um projeto mais longo. No entanto, os diretores Natalia CabralOriol Estrada fazem malabarismos para esticar o único conflito até 90 minutos de duração. Miriam sofre em segredo, muda de tópico quando mencionam o garoto, depois sofre mais um pouco, depois muda de assunto mais uma vez.

Informação importante: Miriam também é negra, assim como o pai dela. No entanto, a garota de classe média convive com garotas riquíssimas, todas brancas. Por não morar com o pai, apenas com a mãe branca, ela não está acostumada a conviver com outras pessoas negras. A premissa seria rica em representatividade social: o contexto da festa serve para catalisar diferenças étnicas, de classes e de gênero. Seria tentador transformar o projeto num drama social corrosivo, numa paródia, ou mesmo num panorama bruto ao estilo dos irmãos Dardenne. No entanto, Cabral e Estrada preferem não enveredar por nenhum destes caminhos. Eles ameaçam colocar o dedo na ferida o tempo inteiro, mas então, assim como Miriam, recuam.

Por se tratar do segredo de uma garota introvertida, o roteiro não permite grande transformação. A jovem atriz principal ostenta a mesma expressão de tédio e descontentamento ao longo de toda a projeção, algo acentuado pelo fato de a câmera estar sempre colada ao seu rosto. As quatro cenas na piscina são filmadas pelo mesmo ângulo, assim como as três cenas de ensaio de dança. O pobre Jean-Louis jamais se torna um personagem, apenas um corpo negro esperançoso e rejeitado, assim como outros garotos negros que as mulheres desprezam (o garoto da piscina, o funcionário da loja de roupas). A alienação das personagens ricas é demonstrada com certo exagero – vide a Bíblia oferecida pelo Papa –, no entanto sem uma crítica real, por não ser apresentada às jovens qualquer alternativa de aspiração social.

Talvez Miriam Mente visasse uma delicadeza profunda. No entanto, ele foge à responsabilidade de desenvolver os complexos temas abordados, além de limitar seus personagens a corpos retraídos e oprimidos por um sistema de aparências falsas. O roteiro, de certo modo, prepara Miriam e o espectador para uma revelação que nunca vem, um despertar interrompido, seja sobre o reconhecimento de sua paixão por um garoto negro, seja pela afirmação de sua própria negritude – afinal, qual problema teria em ela namorar um garoto negro, independentemente de sua etnia, ainda mais por estar em um país de maioria negra como a República Dominicana?

É espantoso que o filme não resolva nenhum desses temas, nem mesmo outros relacionados à mãe, aos preconceitos da avó, ao racismo sofrido pelo pai de Miriam. Os cineastas jogam indícios, repetem-nos à exaustão, e depois deixam que o público faça o que bem entender com os questionamentos. Miriam não terá aprendido nada desta passagem de sua vida, nem mesmo os adultos conservadores, e muito menos o público. Fosse apenas uma singela história de amor, o projeto teria cumprido a função de retratar paixões e desilusões da adolescência. Mas o drama toca em feridas abertas e, assim sendo, possui a responsabilidade de tratá-las a contento.

Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.