Experiência interrompida
por Barbara DemerovAo fim da projeção, chega a ser chocante como Os Órfãos consegue se transformar num filme completamente diferente do modo como começou em questão de segundos: por um lado, a história que nos é apresentada desde o início é bem estruturada quando analisada com o estilo de "mansão mal assombrada", com todos os elementos que a caracterizam como tal. Do outro lado, temos o suspense com um viés mais psicológico, em que certas nuances e detalhes comportamentais não são apresentadas devidamente ao espectador.
Enquanto terror com uma boa quantidade de jumpscares, o filme da cineasta Floria Sigismondi realmente se sustenta. A boa direção, a fotografia soturna e o trio principal (formado por Mackenzie Davis, Brooklynn Prince e Finn Wolfhard) são capazes de garantir com que o mistério acerca da grande casa em que os órfãos Clara e Miles vivem nunca saia de vista. Por mais que a trama seja um tanto simples – uma babá precisa de mudanças e aceita um emprego num local isolado para cuidar de uma menina –, alguns desdobramentos envolvendo o personagem de Wolfhard servem como alavanca para a protagonista duvidar de todos e, posteriormente, de si mesma.
Os Órfãos aproveita boa parte do conto de Henry James, intitulado "A Volta do Parafuso" (que também servirá de adaptação da segunda temporada da série A Maldição da Residência Hill, da Netflix), e mergulha fundo na premissa, nos questionamentos da protagonista e na ambientação daquele lar que foi palco de algumas tragédias. Mas, ao contrário da série de televisão, que trabalhou excepcionalmente bem cada um dos personagens da família Hill na temporada de estreia, o longa como um todo sofre nas mãos de um roteiro instável demais e que não sabe por quais vias deve seguir: uma narrativa comercial ou uma narrativa mais puxada para o gótico.
Das falhas do roteiro, a maior talvez seja a fraqueza de motivações da governanta Kate (Davis). Pouco se sabe sobre a personagem, exceto pelo fato de que ela cresceu sem os pais por perto (sua mãe, atualmente, vive em uma instituição). E é exatamente essa informação que molda toda a trama, pois apesar de perceber que aquela mansão é assombrada por espíritos, Kate não abandona o local por conta da relação que criou com Flora, conseguindo trabalhar alguns traumas da menina, e o receio de que Miles faça algo de errado com a irmã. Os órfãos e o afeto que passou a existir ali superam o medo de Kate em estar vulnerável.
É interessante acompanhar o declínio da sanidade de Kate, seja pelas noite mal dormidas ou pelos olhos sempre tensos à espera de que algo aconteça ou alguém apareça. Porém, os elementos de terror são utilizados em excesso a partir do momento em que a governanta sabe que há uma presença maligna na casa. O roteiro, então, aproveita qualquer brecha para inserir sustos e situações supérfluas que vão tornando a narrativa um tanto cansativa, como se os personagens estivessem em um labirinto e não soubessem como sair.
Mas nada supera a desarmonia apresentada no último ato de Os Órfãos, que não só se desconecta completamente daquilo que foi construído até ali (a tensão, as histórias das crianças e dos espíritos) como também não faz o menor sentido enquanto clímax. De tão abrupta e surpreendente, a última cena do filme nos dá a impressão de que ocorreu um erro de montagem. Se o roteiro ou Sigismondi tivessem dado um pouco mais de atenção aos porquês ao invés de focar estritamente na tensão visual, o desfecho não seria tão ilógico; mas o resultado é apenas um final aberto, submetido apenas à interpretação do espectador – por mais que não seja possível ter todas as peças do quebra-cabeças para completar a mensagem.