Don't Touch My Hair
por Taiani MendesPor conta de A Barraca do Beijo, O Plano Imperfeito e Para Todos os Garotos que Já Amei, a Netflix tem sido nomeada a ressuscitadora oficial da comédia romântica. Apesar de não ter protagonista adolescente ou no começo dos 20 anos, e tampouco contar com Noah Centineo (ou algum jovem do tipo “padrãozinho”) como galã, Felicidade por um Fio pode imperfeitamente entrar na lista das produções bem-sucedidas do gênero feitas pela companhia. A história de amor dirigida por Haifaa Al Mansour (Mary Shelley), porém, não é primordialmente entre uma mulher e um homem, mas entre ela e ela mesma, e difere-se pela narrativa pontuada pelas mudanças capilares da protagonista, publicitária que desde a infância tem seu afro reprimido pela mãe e pela sociedade.
Baseado no primeiro volume de uma série de livros da autora Trisha R. Thomas, o longa retrata todo o processo de autodescoberta de Violet Jones (Sanaa Lathan), superando o trauma que a fez se tornar uma mulher negra envergonhada de suas raízes crespas, apegada a ideais de beleza desconectados de sua raça, dedicada a agradar ao olhar masculino racista e ainda presa ao eurocêntrico e discriminatório conceito de civilidade. A obsessão pela perfeição a tornou uma pessoa sem qualquer traço de espontaneidade, e o agir sem pensar, quando finalmente liberado - em momento catártico capaz de evocar nos brasileiros a lembrança da icônica cena protagonizada por Carolina Dieckmann em Laços de Família, ainda que o tom seja completamente outro - , a leva a novos caminhos e objetivos.
Permanente, relaxamento, pente quente, água como inimiga, prancha, peruca e dormir de touca, são termos e hábitos pouco falados e mostrados em filmes de forma crítica, o que faz de Felicidade por um Fio, como autoajuda e representação de processo de afirmação identitária, uma obra extremamente relevante, especialmente num catálogo extremamente branco como o da Netflix, empresa que só agora começa a abrir os olhos para a produção mais diversa, com protagonistas negros, orientais e LGBTQ+ - e ainda gera desserviços como o reforço de lamentáveis estereótipos bissexuais em Gostos e Cores, por exemplo.
Felicidade por um Fio pode ser considerado covarde por culpabilizar a mãe preta, mas em termos de representatividade registra mais acertos do que erros, jogando em Violet preconceitos e algumas noções equivocadas bastante comuns, como a ideia da mulher careca como desprovida de vaidade e sex appeal, buscando espelhar o público e inspirá-lo a rever suas certezas como faz a confusa personagem. Não é incomum ou novidade sua transformação, apenas subrepresentada, como quase todas as lutas referentes à população negra, e aqui diluída para ampliação do público-alvo.
Violet é uma escrava da aparência e o filme acaba o sendo igualmente, desejando tanto passar a imagem de ativista legítimo que descuida da trama amorosa desenvolvida paralelamente: um frouxo triângulo amoroso em que partes somem e reaparecem conforme necessárias para a trama e não seguindo a lógica realista. O mocinho é injustiçado em nome de um final "lacrador" que não condiz com os esforços do irregular e esburacado roteiro de Adam Brooks e Cee Marcellus para a inclusão do título na categoria "romance", em alguns momentos seguindo os passos mais ridículos da cartilha do gênero.
Falando em sereia negra e Harriet Tubman, colocando Ernie Hudson como modelo de cuecas e retratando um grito de liberdade cada vez mais comum, Felicidade por um Fio é uma joia rara em termos de tema e mais uma mediocridade (pouco) original Netflix em termos de cinema.