Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Todas as Canções de Amor

O que já foi e o que será

por Barbara Demerov

Duas linhas temporais interligadas por um apartamento e uma fita cassete. Todas as Canções de Amor une as histórias de Chico (Bruno Gagliasso) e Ana (Marina Ruy Barbosa), e Clarisse (Luiza Mariani) e Daniel (Julio Andrade), dois casais de diferentes décadas que passam por situações completamente opostas. O início de uma trajetória e o fim de uma união vão se encontrando e reencontrando através de pérolas da música brasileira e um ótimo roteiro que toca na essência do amor, ultrapassando clichês.

Dirigida pela diretora estreante Joana Mariani, a trama é uma viagem pelos diferentes pontos em que o sentimento passa. A fita que Clarisse gravou para Daniel na década de 90 surpreende a jovem escritora Ana de muitas maneiras, incluindo pelo fato de terem sido incluídas músicas que falam sobre tristeza e dar adeus. Recém-casada, Ana se sente próxima a Clarisse e encontra estímulo para escrever uma nova história. Dentro das paredes do apartamento e do toca-fitas que vibra músicas como "O Mundo é um Moinho", "Acontece" e "Eu Sei que Vou te Amar", as duas narrativas se fundem de maneira natural e, sobretudo, crível.

Focando em um período específico de suas vidas, Ana e Chico vagam pelas emoções do início de um casamento em um apartamento que também viu o fim de uma mesma relação. O que eles têm são as músicas, e principalmente Ana vai tentando decodificar o que de fato poderia ter acontecido entre Clarisse e Daniel. As cenas do casal nos anos 90, portanto, podem ser fruto da imaginação de Ana, uma vez que ela não tem mais nenhuma informação sobre o paradeiro dos dois. Tal possibilidade faz com que a trama se intensifique pela dualidade, que flerta com o irreal e o possível de forma descomplicada.

As cenas dos dois casais, praticamente todas feitas dentro do belo apartamento, são muito bem trabalhadas de forma que consigam se diferenciar. Os planos e enquadramentos da época atual e dos anos 90 se completam com diferentes ângulos e cores, que combinam tons frios e quentes. A similaridade, por sua vez, aparece nos diálogos, alguns completando uns aos outros mesmo através dos anos de distância. É essa poesia contida não só na escolha das músicas (feita por Maria Gadú) que destaca o cuidado do filme, pois ele não só homenageia nossa música como também consegue criar uma narrativa fluida, sincera e baseada no que é trivial para muitos. A poesia existe até o ponto final.

Todas as Canções de Amor tem atuações consistentes (especialmente de Luiza e Julio) e é mais um ótimo exemplar do que o cinema nacional vem nos entregando nos últimos tempos, representando uma forma de indicar até onde o amor consegue chegar. Seja na imaginação ou na realidade, não importa: ele tem o poder de unir e, mesmo perto do fim, sempre encontra a duração de mais uma canção para existir.

Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.