Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Meu Querido Filho

O terrorismo distante

por Bruno Carmelo

Durante metade da narrativa, o diretor Mohamed Ben Attia parece nos apresentar um drama singelo sobre a síndrome do ninho vazio: Nazli (Mouna Mejri) e Riadh (Mohamed Dhrif), pais zelosos de classe média, estão ao mesmo tempo felizes e tristes de ver o filho inteligente cursar o vestibular, e depois provavelmente partir para alguma faculdade. Eles estimulam o filho a estudar, mas não muito para não cansar demais; querem que ele se divirta nas festas, mas não demais a ponto de perder a concentração no dia seguinte. Com Nazli trabalhando em casa e Riadh concluindo o processo de aposentadoria, a vida dos dois gira em torno do filho, prestes a sair de casa a qualquer momento.

Meu Querido Filho transparece um humanismo comovente. Assim como no ótimo A Amante, Attia capta muito bem os silêncios, as inseguranças familiares. Em especial, contrapõe o temperamento solícito demais do pai com a expressão hermética do filho Sami (Zakaria Ben Ayyed), do tipo que compreende tamanho afeto paterno, mas se sente asfixiado pelas atenções voltadas ao seu futuro. As cenas com o pai dormindo no carro para esperar o filho sair da festa durante a madrugada, ou os passeios de ambos para agradar o jovem estressado são particularmente belos. Este segmento inicial possui um aspecto convencional, com poucos conflitos, mas muitíssimo bem resolvido na construção de personagens.

O drama, então, decide dar uma forte guinada. O filho desaparece, de um dia para o outro, havendo pequenos indícios de participação em atos extremistas. A revelação ocorre de modo abrupto, inesperado. O pai faz sua pesquisa alheio ao olhar do público, de modo que suspeitamos de sua sanidade mental ou de alguma interpretação equivocada. Depois, num gesto súbito, este homem reservado e prudente decide viajar à Síria, sem qualquer informação sobre o paradeiro do filho, para trazer o garoto de volta. As cenas tornam-se cada vez mais curtas, os saltos temporais são maiores, a montagem fragmenta as cenas, e o realismo se perde. Não seria tudo um sonho? Uma alucinação de Riadh? Aquilo está ocorrendo de fato?

É possível que a escolha pelo estranhamento busque retirar do terrorismo sua aura de suspense, de algo exótico e fetichista. Attia se recusa a retratar qualquer prática efetiva do extremismo religioso: estamos no terreno do imaginário popular. Cada espectador é convidado a projetar no possível destino de Sami aquilo que desejar, e neste sentido o filme ostenta uma forte ambição conceitual. No entanto, os rumos gradativamente abstratos e desconexos perdem a imersão do espectador na trama. No início, acreditamos no que os personagens e as imagens nos dizem. Depois, duvidamos de tudo o que nos é contado.

Meu Querido Filho não recua deste caminho perigoso, muito pelo contrário. A violência que se atribui ao terrorismo é transmitida ao ritmo da história, à ausência de explicações, à aleatoriedade as ações. O cinema de afetos da parte inicial se transforma em algo de uma frieza implacável, retirando o ponto de vista dos pais e criando um olhar onisciente, que acompanha as ações de fora, sem intervenção. Attia despe o radicalismo islâmico de sua aura de urgência e intensidade, preferindo se focar na repercussão provocada nas famílias. O terrorismo é visto não tanto por suas causas, e sim pelas consequências. Neste trajeto, o diretor enriquece a obra pela reflexão sobre a representação do mal, mas impede que o espectador torça por quem quer que seja. Estranha experiência em que se parte da emoção à razão, da imersão do distanciamento, do passional ao cerebral.

Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.