Em busca de serenidade
por Barbara DemerovDesde a primeira cena de Uma Mulher em Guerra já é possível entender e sentir fascínio pelo tom que o filme emana. Em um amplo campo da Islândia, vemos uma mulher vestida e munida como se estivesse pronta para uma batalha de vida ou morte, preparando mais um "ataque" às linhas de energia de sua cidade em forma de protesto contra a indústria de alumínio. Para Halla (Halldóra Geirharðsdóttir), o ativismo deve ser visto, literalmente, como algo sobre vida ou morte. A busca por justiça é visível em seu olhar e no modo como se porta quando está sozinha no campo, longe dos olhos daqueles que não entendem sua luta ou ideais. É desta forma que a personagem é apresentada para o público: livre e selvagem, exatamente o oposto do que é edificado com o passar da narrativa.
Desde a trilha sonora, que literalmente participa das cenas na forma de três músicos que interagem com Halla e quebram a quarta parede, até a passagem por diversos estilos (comédia, drama e uma parcela de musical), Uma Mulher em Guerra é um filme completo, e a melhor parte é que ele não aparenta querer atingir tal crédito. Por soar o mais natural possível dentro de suas situações apresentadas, algumas mais inusitadas que outras, a diversão é inevitável. E a aproximação com a protagonista é mais ainda.
A guerra solitária que Halla trava com a indústria local acaba tomando proporções enormes e, mesmo com os riscos iminentes, ela ainda não desiste de fazer o que acredita. Mas mesmo sob o codinome de "Mulher da Montanha" nas horas vagas, ela continua a trabalhar durante o dia como professora de música, atuando como mais uma cidadã comum da cidade islandesa. Ninguém parece notar o espírito ativista de Halla, mas tendo em vista quais pôsteres estão pendurados na sala de estar (estampando Mandela e Gandhi), não é como se ela estivesse o escondendo do mundo.
O forte tema do ativismo ambiental se une a um desejo pessoal de Halla, que é o de adotar. Em meio aos desafios relacionados à sua missão de ajudar o mundo, ela finalmente vê outro caminho de ajudar a sociedade: dando lar a uma criança que necessita. O roteiro apresenta este lado mais "comum" de Halla após conhecermos sua rebeldia, e a nuance dentro de sua personalidade é como se fosse o impulso final para que esta personagem se torne ainda mais forte. Quando se abre a explicação de que Halla está no fim de uma longa lista de espera de adoção, temos uma mulher em guerra de um lado e uma mulher em busca de paz do outro. Tal constraste a humaniza mais e serve como uma casca, que vai sendo retirada aos poucos.
Não há nenhuma indicação no início, mas Uma Mulher em Guerra é um filme de muito coração. A jornada de Halla vai ao encontro com a possibilidade de ganhar pessoas nas quais pode confiar, no senso de família e no dever de cuidar do nosso planeta. É, também, um lembrete sobre conflitos humanos e naturais e do quanto eles podem reagir negativamente. A mudança climática é só um dos ganchos da trama e entrega críticas com relação ao que estamos fazendo aqui. Tais críticas vão em direção à posição jornalística com relação ao meio ambiente e, por fim, chegam ao papel da adoção e de como ela pode ampliar nossa visão do mundo.
Halla começa como heroína, passa por mártir, "vilã" e finaliza como alguém muito humana. É emocionante e ao mesmo tempo cruel acompanhar o trajeto de alguém que tem tanto a dizer e tenta fazer o possível para mudar a realidade do próximo. A intensa cena final de Uma Mulher em Guerra traz uma parcela da paz que Halla tanto procurou, assim como uma parcela de calamidade que ela tanto avisou por meio de seus atos. Nem tudo está em suas mãos, mas a protagonista está disposta a agarrar o máximo que puder.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.