Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Sansão

A força do homem inocente

por Bruno Carmelo

O protagonista deste filme carrega consigo as principais características do texto bíblico: os cabelos longos, a força sobre-humana, a luta contra um leão, o massacre de um exército com as próprias mãos, a paixão por Dalila e a posterior traição, quando tem seus cabelos cortados e perde sua força. Produzido por David A. R. White, um dos nomes mais poderosos do cinema cristão, o filme segue a premissa de que Deus pode dar a força e retirá-la quando bem entende, ou seja, toda vitória estaria sujeita à aceitação divina. No entanto, o projeto surpreende por ser atualizado aos olhares dos jovens do século XXI.

Primeiro, Sansão (Taylor James) é um homem malicioso, engraçado, que não para de correr atrás das mulheres, conquistando qualquer uma em seu caminho. Sorridente e disposto a brigar pelas ruas, ele representa um ideal de virilidade à moda antiga, no qual os machos lutam entre si para conquistar a melhor fêmea. Além disso, o projeto se esforça para enxergar Sansão como super-herói, concentrando-se mais nas lutas e nas manifestações de força do que na adoração a Deus. O aspecto religioso aparece nos diálogos do protagonista aqui e ali, quando convém, mas não se percebe uma real adoração aos preceitos divinos.

Ainda mais curioso é perceber como os diretores Bruce MacDonaldGabriel Sabloff exploram os códigos da ação para transformar o que seria, inicialmente, um drama. Os cineastas demonstram evidente prazer pela violência, usando câmera lenta, imagens aéreas, muito sangue, imagens deslizando sobre pilhas de cadáveres assassinados pelo protagonista. Isso ajuda a lembrar que, vista por olhos contemporâneos, a Bíblia não é apenas um texto em que se prega o amor e a aceitação do outro, mas também uma aventura violenta na qual se defende a eliminação do adversário contanto que a pessoa esteja do lado de Deus.

Apesar do orçamento alto para as produções da Pure Flix, Sansão ainda está muito aquém dos recursos necessários para alcançar a mistura desejada de épico, aventura, ação, história e romance. Consequentemente, os efeitos especiais são muito fracos - vide a luta com o leão e o uso de tela verde para a inclusão de cenários digitais -, os figurinos não possuem o cuidado necessário para uma produção de época, os cabelos e barbas soam postiços. A destruição de portas e templos pelos braços do forte protagonista transparecem os truques teatrais. O baixo orçamento se reflete igualmente nas frágeis escolhas de elenco: apesar dos bons Rutger HauerLindsay Wagner entre os coadjuvantes, Taylor James não demonstra variação emocional, e a expressão perversa de Jackson Rathbone, com o queixo projetado e a boca aberta, beira o cômico.

Pelo modo como a história é contada, Sansão impressiona pela ingenuidade: ele acredita na proteção do príncipe Rallah, seu inimigo, durante o casamento com Taren (Frances Sholto-Douglas), ele confia na primeira mulher bela que servia ao adversário, mete-se em brigas causadas artificialmente para atrai-lo. Em outras palavras, o juiz e salvador dos hebreus não faz prova de grande inteligência. Mas a traição contra o protagonista serve para transformar o projeto bíblico numa cautionary tale, uma fábula destinada a ensinar jovens sobre os perigos da vida.

Resta saber qual ensinamento poderia se tirado da traição contra Sansão: não acreditar nas mulheres, pouco confiáveis desde o Jardim do Éden? Não se aventurar por um grupo social diferente do seu? Não questionar as regras de Deus? Os ensinamentos obtidos resvalam, direta ou indiretamente, no conservadorismo. Sansão se conclui como obra de valores tradicionais e imaginário contemporâneo, defendendo ao mesmo tempo o martírio e a pureza do protagonista escolhido por Deus e a malícia do jovem musculoso que não consegue se privar de uma bela companhia feminina.