Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Gabeira

SuperGabeira

por Taiani Mendes

Documentário dirigido por Moacyr Góes (Maria - Mãe do Filho de Deus, O Homem Que Desafiou o Diabo), Gabeira dá ao seu protagonista 75 minutos de palanque. Com a fala mansa e articulada característica, Fernando conta desde a infância bagunceira em Juiz de Fora toda sua trajetória, com destaque para o período revolucionário, a atuação na política em Brasília e no Rio de Janeiro e a faceta pai de família. Extremamente ponderado como atualmente a figura enfocada, o filme não se aprofunda no tema divisor de opiniões sempre atrelado à imagem do fundador do Partido Verde - a maconha - e sequer são mencionadas questões ainda mais controversas como aborto e prostituição. A própria pauta ambiental é detalhe e as brigas dentro do partido que ajudou a criar não são comentadas.

Passando sua história a limpo, Gabeira está mais interessado em ressaltar que desde o começo desconfiou do PT, enfrentou Sergio Cabral e pode ser a alternativa de orientação indefinida. Assume que às vezes errou sim, mas reconheceu e mudou, o que o colocaria degraus acima da maioria dos antigos colegas de Congresso Nacional. Da época em que desejava a ditadura do proletariado e tinha a vaidade revolucionária, reconta o lendário sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, reafirmando seu papel limitado de intermediário e a simpatia que desenvolveu pela vítima. Seguindo na mesma linha, não demoniza os torturadores que quase o mataram, chamando-os de guerrilheiros dentro do sistema, não tão diferentes quanto imaginado daqueles que caçavam implacavelmente.  O sofrimento como preso político é minimizado, de acordo com ele nada diferente do tratamento terrível que presidiários comuns recebiam há anos.  Gabeira deseja soar como o “guerrilheiro da família brasileira”, que atuou na luta, mas nada muito radical; foi maltratado, mas não mais do que outros; e finalmente perdeu as ilusões.

Apoiador da Operação Lava Jato e feliz com a queda do bolivarianismo lulista (com o cuidado de não nomear Lula, Dilma ou Temer no trecho final), Gabeira ainda é visto com certa desconfiança pelos mais conservadores da direita e para a esquerda é definitivamente um traidor. Caetano Veloso se diz mais de esquerda do que ele, Armínio Fraga o chama de liberal com coração e a direção de Góes entra no jogo o fotografando sempre nos cantos opostos, em entrevista que é “olho no olho” do cineasta, ignorando totalmente a câmera. Imagens famosas como a sunga de crochê, o discurso contra Severino Cavalcanti e o mea-culpa na farra das passagens aéreas dividem espaço com fotos de família e depoimentos de nomes como Ferreira GullarCarlos Vereza e Nelson Motta, além de parentes como a prima Leda Nagle.

Sendo Fernando Gabeira a figura extremamente inteligente e cheia de ideias e experiências e análises e filosofias que é, é interessante um projeto sobre ele na primeira pessoa, como uma retrospectiva. Pesa, contudo, o tom programa eleitoral do documentário, escapando de pontos polêmicos (O que é isso, Companheiro? mal é citado) para privilegiar sua reavaliação de antigas decisões e “conversão” para homem de família. Currículo em longa-metragem, mostra que ele sempre esteve do lado contrário ao dos condenados (ousou até recusar dinheiro de Eike Batista) e por fim dedica generoso espaço ao programa que ele apresenta atualmente na GloboNews – coprodutora do filme. Ótimo para ele e sua carreira, não tanto para quem busca honestidade sem preocupação eleitoreira e revelações corajosas.

Filme visto no II Festival Imperial de Cinema de Petrópolis, em outubro de 2017.