Conservadorismo em família
por Lucas SalgadoApós estrear na direção com o bom suspense O Presente (2015), Joel Edgerton escolheu o drama Boy Erased como seu segundo projeto. Trata-se de um drama intimista que trata de temas fortes envolvendo religião e tratamento voltado para "curar" a homossexualidade. O principal mérito do cineasta está na abordagem realista, mas nunca melodramática. O longa choca, mas nunca grita com o espectador.
Garrard (Lucas Hedges) é um jovem de apenas 19 anos que vive numa cidadezinha conservadora do Arkansas. O pai (Russell Crowe) é um pastor da igreja batista, enquanto que a mãe (Nicole Kidman) é a mulher tradicional, bela, recatada e do lar. Ao descobrirem que o filho é gay, eles decidem interná-lo em um programa de terapia que oferece a "cura" da homossexualidade.
Edgerton, que inclusive interpreta o profissional responsável pelo tratamento, comanda a narrativa de forma elegante. E nada sensacionalista. Neste sentido, é interessante notar que ele consegue repelir a ideia da "cura gay" sem necessariamente subir o tom. De certa forma, lembra o trabalho feito por Jeff Nichols em Loving, por sinal estrelado por Edgerton. Lá, o diretor tratava de racismo, intolerância e injustiça, mas de forma sóbria. Aqui, a diferença é a abordagem da homofobia.
O filme tem como ponto forte seu elenco. Hedges entrega uma performance bastante sólida, enquanto que Crowe mostra todo seu talento com um personagem complexo. Mas quem rouba a cena mesmo é Nicole Kidman. A atriz vive uma personagem que é aparentemente fria, mas que sempre que pode, através de pequenos atos, demonstra seu afeto pelo filho. A dinâmica entre a atriz e Hedges gera algumas sequências realmente tocantes.
O elenco conta ainda com as participações de Xavier Dolan, Cherry Jones e Flea, sim, o baixista do Red Hot Chili Peppers. São todas atuações competentes, mas abaixo do trio principal.
Baseado em obra do próprio Garrard Conley, Boy Erased derrapa um pouco na montagem de Jay Rabinowitz (Réquiem para um Sonho), com muitas idas e vindas, que pode soar confusa em alguns momentos.
Até pela opção de fazer uma abordagem mais sóbria, Boy Erased não deve fazer ninguém se acabar de chorar na sala, mas conta sim com momentos emocionantes, muitos provenientes das relações familiares e humanas vistas em cena.
Num mundo repleto de conservadorismo, é importante uma obra que trata do tema de forma clara e bem desenvolvida. Muitos vão tratar o longa como "o filme sobre cura gay", mas na verdade, o que temos é uma obra sobre família. O que é muito mais interessante.
Filme visto durante o Festival de Toronto, em setembro de 2018.