Frente a frente com o passado
por Barbara DemerovSe fosse necessário resumir Pastor Cláudio em uma única palavra, a escolhida seria difícil. Por abordar um tema tão abrangente e profundo - a Ditadura Militar - e possuir uma estrutura fria, com perguntas e respostas sem rodeios, o filme de Beth Formagini pode ser classificado tão marcante como importante.
Não existe nenhuma inovação aqui: há apenas o entrevistado e o entrevistador em um cenário escuro, dando destaque a uma tela que nos mostrará imagens cruéis de um passado que ainda vive. No caso, o entrevistador é o psicólogo e defensor dos direitos humanos Eduardo Passos, e o entrevistado é Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS que incinerou uma centena de pessoas durante o auge do período repressivo da ditadura no Brasil - e que hoje atende pelo nome de pastor Cláudio, membro ativo da comunidade evangélica.
As perguntas de Eduardo Passos definem bem o que foi a ditadura e todas as manchas que ela deixou na História. As respostas de Pastor Cláudio, no entanto, vão evoluindo aos poucos, mas desde o princípio são frias e explícitas, sem o menor vislumbre de arrependimento. Ele olha para as fotos das vítimas militantes e depois relembra, com a maior naturalidade possível, o que fez com cada uma delas.
O maior mérito de Pastor Cláudio é possuir, em suas duas figuras abordadas, um contraste exibido sem muito esforço. A frieza de um e a expressão de assombro do outro fazem com que seja muito possível a identificação para com o entrevistador. Ele está no lugar do espectador; daquele que faria as mesmas perguntas com o maior nível de perplexidade diante de tais fatos.
Com a Bíblia em mãos e serenidade em sua fala, o pastor Cláudio parece ser um personagem fictício. O que o filme proporciona, em torno de 1h30, é este sentimento de que o absurdo é cada vez mais real, pois incontáveis atos cruéis saíram impunes através das décadas pós-ditadura. Pastor Cláudio existe para isso: para denunciar os crimes cometidos, ao mesmo tempo em que se condena por ter como protagonista um dos responsáveis por atos tão desumanos vivendo em liberdade.
Filme visto em julho de 2018 na 1ª edição do Festival Internacional de Mulheres no Cinema.