Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Green Book - O Guia

Conduzindo Dr. Shirley

por Lucas Salgado

Lançado em 1989, Conduzindo Miss Daisy recebeu o Oscar de Melhor Filme e se tornou um feel good movie para muita gente. Carregado por grandes atuações, tinha a premissa simples sobre uma senhora branca conservadora que era obrigada a se adaptar com um motorista negro. O filme gerava discussões sobre racismo e desigualdade, mas o fazia ainda diante de uma relação de trabalho "tradicional", em que o negro é a pessoa hierarquicamente subordinada.

Agora, quase trinta anos depois, Green Book chega com premissa parecida, mas com dinâmica pessoal e profissional invertida, em que um negro contrata um sujeito branco e racista para trabalhar como seu motorista e assistente. A troca de papéis parece pequeno detalhe, mas é fundamental para criar uma obra ainda mais complexa.

Tony Lip (Viggo Mortensen) é o tradicional brucutu ítalo-americano que leva a vida com pequenos serviços. Em um deles, trabalha como segurança de casas noturnas. Num período sem emprego, ele fica sabendo de uma vaga de motorista de um tradicional músico. É quando conhece Don Shirley (Mahershala Ali), um conceituado pianista. O artista precisa de um motorista, mas também de um assistente e segurança, uma vez que tem uma turnê marcada pelo sul dos Estados Unidos, no início dos anos 60.

O filme é um road movie divertido, mas que também faz pensar. A transformação de Tony de um conservador racista em alguém mais tolerante é um dos caminhos percorridos, mas não o único. Shirley também muda ao embarcar na jornada ao lado do motorista.

Em um período em que os Estados Unidos veem marchas de confederados, o longa tem a coragem de expor o quão insano era o preconceito racial em determinada parte do país antigamente (e nem tão antigamente assim, infelizmente).

O elenco conta ainda com as presenças de Linda Cardellini, que vive Dolores, esposa de Tony. Ela se sai bem em cena, mas o foco do filme é sim em Viggo e Mahershala.

Conhecido pela direção de comédias de sucesso como Debi & Lóide - Dois Idiotas em ApurosQuem Vai Ficar Com Mary? e Eu, Eu Mesmo & Irene, sempre na companhia do irmão Bobby, Peter Farrelly faz sua estreia como diretor-solo. E que estreia.

Farrelly entrega um resultado que valoriza o riso - algo presente em todos os seus trabalhos anteriores -, mas que também faz pensar. E emociona. Fruto de um roteiro escrito por ele, Nick Vallelonga (filho de Tony Lip na vida real) e Brian Hayes Currie.

Baseado em uma história real, Green Book tem no título uma referência a um livro que apontava os hotéis no sul dos Estados Unidos que aceitavam afrodescendentes. É uma obra repleta de charme e humor.

Filme visto durante o Festival de Toronto, em setembro de 2018.