Passagem de bastão, ou como contar uma história que já conhecemos
por Francisco RussoQuando lançou a segunda trilogia de Star Wars, George Lucas estava indo além do que apenas seguir com sua amada saga intergaláctica: iniciava ali uma nova era nos blockbusters, onde era possível dar continuidade a franquias consagradas olhando para o passado. As prequels vieram para ficar, oferecendo não só oportunidades mercadológicas mas também narrativas, no sentido de mostrar o prólogo de personagens amados até chegar naquele momento-ícone, eternizado pelo longa original. Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo bebe diretamente desta fonte, mas com um grande problema em mãos: já sabemos, de antemão, tudo que pretende mostrar.
Situado seis anos após o original, o novo Mamma Mia se equilibra entre presente e passado ao lidar com uma opção narrativa, no mínimo, questionável: matar Donna. Com pouquíssima Meryl Streep em cena e um clima de pesar que norteia o terço inicial, Lá Vamos Nós de Novo viaja ao passado para apresentar a personagem-ícone da franquia em sua juventude, agora interpretada pela solar Lily James. É ela quem segura boa parte do longa-metragem, trazendo frescor a um universo já conhecido, devido à decisão em mostrar os eventos narrados pelo diário no primeiro filme. Pro bem e pro mal.
Se por um lado Lily James demonstra carisma e desenvoltura ao segurar uma personagem tão emblemática, por outro a repetição de uma história já conhecida - que ocupa, por baixo, 70% do novo filme - traz uma inevitável sensação de mais do mesmo. Em parte porque como Donna conheceu seus três pretendentes pouco importa, ainda mais diante da riqueza de detalhes do filme original. Olhar para o passado soa como preguiça em desenvolver o futuro, aqui representado por uma Sophie (Amanda Seyfried, correta) decidida a reinaugurar o hotel da mãe, agora remodelado - ou, falando mercadologicamente, soa como medo de se arriscar, preferindo mostrar ao espectador algo que ele já conhece, mesmo que não seja necessário rever.
Soma-se a isto um problema trazido por esta sequência: nem todos os fatos aqui mostrados batem com o narrado no longa original. Antes, Harry (Colin Firth, se divertindo) era o terceiro "possível pai" de Sophie e teria encontrado Donna na ilha de Kalokairi, agora ele é o primeiro da fila e sequer embarca para o local. A subtrama da tia Sofia é solenemente ignorada, o que causa problemas de cronologia com o que acontece neste novo filme. Fora o fato que o longa original insinua que a mãe de Donna, interpretada por Cher, estaria morta. Pequenos ruídos, é verdade, mas que ganham corpo neste quebra-cabeça necessário em revisitar algo já conhecido de forma a tornar sua narrativa também compatível com o visual, além do oral.
Problema maior está nas sequências musicais conduzidas pelo diretor Ol Parker, variando entre o esquemático e o coreografado. Do cantarolar à capela de grandes sucessos do Abba à uma certa suntuosidade nas apresentações, há no filme uma artificialidade que dificulta bastante a narrativa. É o que acontece na apresentação de "When I Kissed the Teacher", por exemplo: tudo soa programado, sem a naturalidade existente no longa original. No fim das contas, assistimos à esperada sucessão de hits do Abba sem se envolver com suas caracterizações - a exceção fica por conta de "Mamma Mia", de longe a melhor sequência musical deste filme.
Com tanto tempo dedicado a recontar o passado, sobra pouco espaço para a agora franquia seguir em frente. A passagem de bastão para Sophie acontece a partir do paralelo entre mãe e filha, escancarado por uma edição bastante didática, e também pela nova apresentação da canção "Dancing Queen", com óbvios paralelos em relação ao primeiro filme. Ao mesmo tempo, vários coadjuvantes apenas marcam presença, sem ter muito a fazer nesta nova trama. É o que acontece com as amigas da mãe, Christine Baranski e Julie Walters, e os três pais, Pierce Brosnan, Colin Firth e Stellan Skarsgård, que apenas matam a curiosidade sobre seu paradeiro. Ainda assim, o trecho situado no presente é o mais interessante do filme, por realmente trazer algo que não havia sido visto até então.
E há Cher! Por mais que a vencedora do Oscar por Feitiço da Lua surja sob pesada maquiagem - e bem inexpressiva, diga-se a verdade -, sua aparição funciona bem pela presença do ícone, compondo uma boa dupla com Andy Garcia e soltando sua bela voz em duas canções: "Fernando" e "Super Trouper". Por mais que seja uma participação breve, é também um dos pontos altos do filme.
Com números musicais pouco orgânicos e uma narrativa duvidosa, Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo se equilibra entre a nostalgia pela excelência do original e as ótimas músicas do Abba e problemas conceituais que tanto atrapalham esta nova produção. De positivo, há o magnetismo de Lily James como a jovem Donna, a boa presença de Cher, a recriação da canção "Mamma Mia" e ainda a breve participação de Meryl Streep, nos momentos mais emotivos deste longa-metragem. Ainda assim, o enorme tempo gasto ao contar uma história já conhecida traz ao filme uma inevitável sensação de desperdício. Ao menos não somos obrigados a ouvir, de novo, Pierce Brosnan cantando - o diretor Ol Parker, sabiamente, o colocou apenas cantarolando brevemente.
Em tempo: tenham paciência e aguardem a cena pós-créditos, vale a pena.