Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Gloria Bell

A vida aos 50 anos de idade

por Bruno Carmelo

Nas primeiras imagens deste filme, Gloria (Julianne Moore) está dançando sozinha num bar. Ela bebe, sorri, se diverte. Nenhum homem a espera no final da cena, ela tampouco está tentando compensar a falta de alguém. A protagonista é descrita como uma mulher de meia-idade, solitária e feliz. O olhar sem julgamentos a Gloria resuma a singularidade essencial do projeto, no caso, o mérito de enxergar uma mulher sexualizada e satisfeita consigo mesma sem a necessidade de um homem para completá-la. Ela não é nem rica, nem pobre; nem particularmente bela, e muito menos feia. O filme busca uma espécie de representação global da mulher de 50 anos de idade.

Esta universalidade provém de um roteiro bem escrito, capaz de tratar com carinho pequenos elementos do cotidiano – Gloria ri quando dirige, se exaspera com a presença constante do gato do vizinho em sua casa, ajuda uma colega em vias de ser demitida – ao mesmo tempo em que aprofunda na psicologia desta mulher. A protagonista encontra homens, se apaixona e se frustra como qualquer outra, mas ela não depende disso para possuir uma narrativa própria. Ela sofre com a distância dos filhos adultos, mas este conflito tampouco a impede de seguir em frente. Sebastián Lelio constrói o retrato de uma mulher em movimento, cujos conflitos eventuais não a definem enquanto personagem. De certo modo, Gloria Bell seria a anti-Bridget Jones: ela não se resume às suas inadequações.

A estética naturalista completa o minimalismo do retrato. O filme se contenta com a cumplicidade habitual dos “filmes de personagens”, acompanhando o rosto e o corpo de Gloria durante a quase totalidade da projeção. A câmera prefere ficar dentro do quarto de Gloria quando ela apenas toma sol, deitada na cama, ao invés de buscar conflitos paralelos envolvendo os filhos e o namorado (John Turturro). A movimentação é ágil, porém discreta, e a estética jamais procura contorcionismos que chamem atenção ao próprio diretor. Enquanto isso, a paleta de cores permanece discreta (figurinos em tons beges, muitos flares lilás) e os ruídos (barulhos da rua, diálogos ao redor) apenas situam esta mulher no tempo e no espaço.

O elogio ao banal é sublinhado com tamanha intensidade que beira o óbvio, no caso da trilha sonora: as canções “Gloria” e “Ring My Bell” evocam o prazer da personagem (Gloria + Bell), enquanto “Alone again, naturally” é entoado após uma ruptura amorosa, e a frase “Se o mundo acabar, quero explodir dançando” é colada a uma nova imagem de dança. Lelio trabalha com uma cartilha limitada de cenas e espaços, extraindo a maior parte do humor agridoce de momentos de inadequação – uma conversa bíblica durante a depilação da virilha, a estranheza da terapia do riso com outras mulheres desconhecidas. Os atores atenuam os gestos para caber nesta abordagem de pequenezas: Julianne Moore, capaz de maneirismos quando necessário, se limita a um corpo presente, sem idealizações nem vaidades, enquanto John Turturro compõe um homem que poderia se tornar antipático nas mãos de intérpretes menos talentosos.

Talvez Gloria Bell seja prejudicado pela inevitável comparação com o filme original – o chileno Gloria, também dirigido por Lelio. Em 2013, esta produção revelou ao mundo o talento impressionante não apenas do diretor, mas também da atriz Paulina García. Julianne Moore não precisa provar mais nada a ninguém, no entanto sua atuação talentosa é incapaz de surpreender na mesma intensidade que o choque provocado pela composição de García. Este drama apresenta ao público um resultado igualmente competente, e embora a refilmagem se justifique por motivos mercadológicos – o americano médio não consome filmes legendados -, ela soa inevitavelmente menos original, por ser a cópia de outro título bem-sucedido produzido seis anos antes.

Caso fosse lançado primeiro, Gloria Bell poderia suscitar uma reação ainda mais entusiasmada. Sendo uma reprodução fiel, ele ao menos demonstra a capacidade de atualizar o discurso e a linguagem de modo que a mesma premissa funcione igualmente bem em sociedades tão distintas quanto a norte-americana e a chilena. Afinal, a imagem não pode ser dissociada do contexto em que se insere: a nudez de uma cinquentona norte-americana, apresentada aos pudicos espectadores locais, não possui o mesmo peso que a nudez de uma mulher latina, vista por olhos latino-americanos como os nossos.