A obviedade da violência
por Bruno CarmeloO imaginário popular das guerras sempre foi associado a atos de violência. Não é surpresa para ninguém que as principais guerras envolveram não apenas assassinatos, mas também tortura, estupro, abuso de crianças e outras formas de crueldade e violação de diretos humanos. Existem possibilidades muito distintas de evocar o horror nas telas, das mais metafóricas e sugestivas às explícitas, referenciais. O diretor Wojciech Smarzowski opta pelo caminho mais evidente, retratando a guerra por uma sucessão de cenas sangrentas ao longo de 150 minutos.
A trajetória de sobrevivência da jovem Zosia (Michalina Labacz) durante a Segunda Guerra Mundial, entre extremistas ucranianos e nazistas alemães, envolve crianças queimadas vivas, machadadas no ventre de mulheres grávidas, cabeças decepadas e entregues de presente aos familiares, corpos destroçados por animais selvagens, vítimas com a pele arrancada enquanto vivas, tiroteios durante o parto, vísceras arrancadas etc. O conteúdo não é apenas violento, ele também é explícito, com a câmera se focando em cada ato de perto, em toda a sua duração.
Volínia pretende escancarar o genocídio de poloneses na região originalmente pertencente à Polônia, mas povoada por maioria ucraniana. Smarzowski acredita que, quanto mais cruéis forem os fatos, mais realistas serão, e maior será a sensibilização à causa. É neste aspecto que ele se engana: a overdose de violência corre o risco de provocar ou certa anestesia no espectador – algo que poderia ser interessante, caso abordado com viés crítico –, ou um distanciamento por asco, impedindo a reflexão sobre os acontecimentos. De qualquer modo, o diálogo se estabelece com os sentidos – raiva, revolta, ódio, compaixão, tristeza – ao invés da discussão política, deixada em segundo plano.
Para o espectador sem conhecimento aprofundado sobre a política estrangeira na Europa do Leste e União Soviética na primeira metade do século XX, os saltos velozes pelas transformações da guerra entre 1939 e 1945 podem gerar certa confusão. É importante perceber se cada personagem fala polonês, ucraniano ou alemão, até porque existem poloneses se passando por ucranianos, ucranianos escondidos entre os poloneses, nazistas, comunistas, judeus, católicos e ortodoxos confinados numa mesma região, lutando uns contra os outros. A tentativa de trazer nuances pela pluralidade de personagens – existem cerca de 20 figuras principais – torna-se pouco clara devido à montagem abrupta, mais preocupada em pontuar atos do que transparecer o impacto psicológico nos personagens.
O público amplo deve se ater principalmente ao espetáculo da carnificina, às cenas grandiosas com centenas de coadjuvantes, movimentos ostensivos de câmera, efeitos brutais de som e mixagem, além da textura granulada remetendo ao cinema do século passado. O porte da produção é realmente impressionante, deixando claro que o filme constitui um projeto importante para os poloneses, que financiaram sozinhos a empreitada. A megalomania deste épico tende a acentuar as polaridades e maniqueísmos, razão pela qual os ucranianos não ficaram nada felizes com o retrato unilateral de sua participação nos conflitos.
Em sua primeira experiência com longas-metragens, Michalina Labacz apresenta uma construção sólida da garota que sofre na pele todas as crueldades da guerra, da religião e da moral conservadora. Além das bombas e tiros, ela precisa enfrentar também o preconceito por se apaixonar por um homem ucraniano, a pressão por ser uma garota solteira etc. Volínia acumula todas as opressões sobre um único corpo sofredor de modo a enaltecer a figura arquetípica da mártir ingênua, apaixonada, e corrompida pela sociedade. Smarzowski transforma a sua personagem numa nova Justine de Sade, priorizando o ponto de vista da guerra como uma experiência desumana ao invés de uma somatória de conjunturas políticas e sociais.
Filme visto na Mostra de Cinema Polonês, em dezembro de 2018.