Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Relatos do Mundo

Nos moldes do faroeste clássico

por Barbara Demerov

Conhecido por sua câmera frenética e pelas inúmeras sequências de ação de tirar o fôlego em sua filmografia, o diretor Paul Greengrass adentra pela primeira vez no amplo terreno do western. Seu Relatos do Mundo apresenta a sobriedade e firmeza necessárias para um filme do gênero, mas ainda assim é surpreendente ver que o domínio de Greengrass não esteja fadado apenas a se igualar a determinados clássicos do faroeste para agradar o público.

Parte do resultado satisfatório da produção se deve à escolha da dupla de personagens principais, formada por Tom Hanks e a jovem Helena Zengel (que surpreendeu a crítica em festivais com o System Crasher). Apesar de a história (escrita por Greengrass e Luke Davies a partir do livro de Paulette Jiles) contar com artíficios conhecidos do faroeste, tais como as perseguições a tiros no Velho Oeste e a personalidade introvertida de um protagonista que busca por redenção, Relatos do Mundo possui bons momentos quando estes se apoiam no foco pela imersão àquela época.

E isso acontece em diversas passagens que podem até parecer monótonas em uma primeira reação, mas são as que mais extraem o mergulho que o filme se propõe a fazer nos anos 1870, visando a paciência em uma longa jornada. Juntamente de Hanks e Zengel em performances complementares - em que o vencedor do Oscar sempre está com um semblante sereno e a jovem, mais uma vez, transmite intensidade no silêncio - , o drama alcança o agradável equílibrio entre ação e contemplação.

Em meio à missão principal, em que o Capitão Kidd (Hanks) se dispõe a ajudar a jovem Johanna a encontrar sua família após esta ter vivido uma vida cruel cheia de perdas e violência, Relatos do Mundo envolve elementos que se encaixam até mesmo como poéticos, visto que o protagonista viaja de cidade em cidade para ler as notícias à pessoas que contam com poucos recursos de distração. A época retratada se passa após a Guerra da Secessão e, por consequência, a violência - assim como o racismo - ainda aparece como reflexo inicial nas apresentações de personagens secundários.

Todo o contexto histórico e de guerra que transparece no filme dá um peso a mais na história, ao mesmo tempo em que a trama já esperada de "pai e filha" entre Kidd e Johanna é construída aos poucos, delineando o passado do homem com o possível futuro da menina. Quando combinados, o background social da época funciona dentro da jornada do herói atípico, que se abre para o novo e encontra uma resposta para seu passado obscuro. Não há nada de inédito nesta abordagem utilizada por Greengrass e Davies, mas o intuito é apropriado e nunca traz excesso de uma comoção forçada.

Para além dos desdobramentos vagarosos e ao mesmo tempo carregados de Relatos do Mundo, a deslumbrante fotografia é o elemento técnico que mais ajuda na já citada imersão. A revisita feita por Greengrass - não só ao gênero como também a filmes clássicos como Bravura Indômita - funciona pelo conjunto da obra e, também, pela novidade em ver um diretor com dois pés na ação se encontrar em meio ao "nada". Dizer que o filme não possui tantas passagens emocionantes não é necessariamente uma observação negativa, pois o intuito é o de se repetir passos e situações para reforçar que as surpresas e transformações podem acontecer inesperadamente, e não de primeira.