Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Hellboy

Terra de monstros

por Francisco Russo

Todo reboot tem por proposta básica trazer algo diferente, em um universo já conhecido pelo espectador - trata-se do famoso "mudar para permanecer igual" do clássico O Leopardo, sem a conotação política. Quando os produtores de Hellboy decidiram abandonar a grife Guillermo del Toro para reiniciar a franquia do zero, a proposta era mais de olho em uma recauchutagem geral que tornasse a produção mais barata do que, propriamente, em abandonar a qualidade estética e narrativa do consagrado diretor mexicano. O problema é que, nesta reimaginação, se optou por seguir um caminho escancaradamente trash, no pior sentido do termo.

Há muitas diferenças entre este Hellboy e os dois filmes anteriores, não só na qualidade e desenvolvimento da trama mas, especialmente, na condução dos personagens. Por exemplo, o tom sério e dedicado empregado por Ron Perlman aqui é substituído pelo jeitão meio largado de David Harbour, seja pelo lado beberrão ou por uma certa impaciência com tudo à sua volta. Seu relacionamento com o pai é completamente diferente da vista nos filmes anteriores, de forma a criar uma animosidade contraditória, entre tê-lo salvo e a ausência premeditada durante seu crescimento. Mesmo o visual deste novo Hellboy busca o diferente, ao apostar no cabelo comprido ao invés do coque samurai.

Tais mudanças se refletem também no que existe ao redor de Hellboy: a opção é investir bastante no sangrento, não com o objetivo de meter medo ou asco mas, supostamente, de fazer rir. Desde o estranho preâmbulo envolvendo o rei Arthur pode-se notar tal predileção, seja esteticamente ou mesmo pelos rumos da narrativa, graças à aposta na bizarrice dos monstros. Com isso, ao longo de praticamente todo o filme Hellboy fica saltando de inimigo em inimigo, às vezes sem muito sentido, apenas para atender tal objetivo de exibir a fauna criada por Mike Mignola para os quadrinhos do personagem - também em contraponto aos filmes anteriores, mais enxutos neste sentido. A cereja no bolo é a escolha precisa da intérprete da vilã: Milla Jovovich, a rainha dos filmes trash. Sem medo do ridículo, Milla se sujeita a tudo - e, por isso, nem é tão estranho assim vê-la nos exageros de sua Rainha Sangrenta.

Apesar de tal proposta digna de filme B, Hellboy tem alguns (poucos) bons momentos. A primeira aparição do protagonista em pleno México é uma boa sacada, pelo contraste da presença de monstros em um país tão católico, ainda mais explorando a paixão nacional envolvendo a luta livre. Mesmo a perseguição por gigantes traz uma movimentação de câmeras interessante, por mais que a sequência de ação em si seja um tanto quanto esquizofrênica. O próprio David Harbour faz o que pode, se esforçando para entregar um Hellboy distante do já visto e, ao mesmo tempo, carismático.

Com um roteiro que faz um imenso contorcionismo para adaptar a clássica história do rei Arthur à trajetória do personagem-título e diálogos que não fazem o menor sentido - "jamais deixaremos um diabo sentar no trono da Inglaterra", quando nada disto estava em jogo! -, Hellboy é um filme que peca não propriamente pelo que é, mas pelas escolhas feitas por seus criadores nesta nova versão. Ao optar por uma ambientação trash, praticamente tudo que Del Toro tinha feito tão bem foi jogado no lixo em detrimento de uma variação mais pobre e menos interessante, que provavelmente assinou de vez o atestado de óbito do personagem no cinema.