Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
O Paciente - O Caso Tancredo Neves

O grande circo médico

por Taiani Mendes

Dono de filmografia primordialmente dedicada a personagens e eventos históricos nacionais, Sergio Rezende volta seu foco para o lendário presidente que nunca assumiu em O Paciente - O Caso Tancredo Neves. Raro longa-metragem brasileiro intrinsecamente ligado à medicina, o filme é baseado no livro homônimo, publicado pelo premiado pesquisador Luís Mir em 2010, após anos de investigação dos arquivos hospitalares relacionados à morte do estadista.

Cercado de mistério e tema de inúmeras teorias da conspiração na época, o inesperado fim de Tancredo hoje parece esquecido sob a montanha de acontecimentos que abalaram Brasília - e o país como um todo - desde então. Apesar da falta de frescor cinematográfico e de objetivos eleitoreiros escusos, é relevante que O Paciente exista, especialmente por relembrar um político adorado pelo povo, símbolo de uma esperança unificada, algo muito distante de nossos dias...

O Paciente, no entanto, está condenado a atingir as gerações que não existiam no tempo de Tancredo Neves apenas via projeções nas salas de aula, pois é quadradão toda vida. A fotografia de Nonato Estrela parece submetida ao filtro X-Pro II do Instagram, os planos são de TV, a mistura de imagens de arquivo e ficção é aquela já vista mil vezes e a cara é toda de telefilme. Bem atuado e com conteúdo, mas aquém do que se espera de um longa-metragem para as telonas em 2018.

O drama começa três dias antes da posse, quando a saúde de Tancredo torna-se mais frágil e passa a ameaçar realmente sua presença na esperada cerimônia de reencontro da nação com a democracia depois de anos de ditadura, o alvorecer da "nova república". Em interpretação comovente de Othon Bastos, ele é um senhor batalhador que a cada minuto se vê mais perto e mais longe da glória que tanto lutou para alcançar, e acompanhar seu definhar é de partir o coração. Esther Góes está bem como a elegante quase primeira-dama Risoleta e os confusos doutores são vividos por Otávio Müller, Leonardo MedeirosEucir de Souza e Paulo Betti, colaborador de longa data do cineasta. À Betti cabe o personagem mais evidenciado da junta médica, uma espécie de vilão que entra em cena para sepultar de vez o presidente com covardia, vaidade e estrelismo.

Rezende constrói uma sucessão de suspenses e dramas tentando impedir que o espectador se distancie da trama confinada a ambientes hospitalares e com profusão de debates médicos. O conflito principal é entre o tratamento dado ao Tancredo paciente e o tratamento dedicado ao Tancredo presidente, dois pesos e duas medidas que fazem a diferença, no caso fatal. Chega a ser irritante o tanto que o roteiro coloca na boca dos personagens as duas palavras em oposição, porém pior é testemunhar a representação pensando que a "bateção de cabeça" de fato ocorreu, vitimando um sopro de mudança num momento crucial.

O Paciente denuncia o despreparo dos envolvidos, incapazes de diagnosticar corretamente, presos em picuinhas bairristas e disputas de ego, afobados e guiados por coisas além da ética profissional. Os anos 80 são bem contextualizados nos figurinos e na importância da mídia, que poucos anos depois seria definidora das novas eleições presidenciais. O assessor de imprensa interpretado por Emílio Dantas, no entanto, fica mais alheio do que pede a desorientação do personagem, e seu relacionamento com a jornalista vivida por Priscila Steinman (que protagoniza choro constrangedor) é como um corpo estranho no filme, vírgulas mal colocadas num texto.

Narrado por Silvio Guindane, o começo sóbrio é de documentário histórico. Ao som de Milton Nascimento, o encerramento focado na comoção nacional é encorajador de lágrimas e reforça a mitificação do avô de Aécio - à sombra como o melhor netinho do mundo. Entre os dois pólos há uma enorme crise no centro cirúrgico, uma confusão tão estúpida que às vezes é até difícil de crer, que poderia ser cômica não fosse o fim trágico e o desenvolvimento torturante. Sergio Rezende captura a dissolução do sonho em dores, ainda que a passagem onírica do filme esteja entre seus piores momentos, e funciona a inserção de reportagens reais e depoimentos da época naturalmente na encenação. Ainda que a forma não seja das mais atraentes, é importante revisitar um passado não tão distante. Os professores de História e Medicina agradecem.