Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Uma Quase Dupla

Uma dupla de verdade

por Renato Hermsdorff

Fernando Fraiha é o nome por trás de um "novo" tipo de humor fora da TV, sempre nonsense, mas que nunca subestima a inteligência do espectador, e que, em comum, ainda traz Tatá Werneck e/ou Daniel Furlan no elenco. São de responsabilidade do produtor, por exemplo, a dramédia TOC: Transtornada Obsessiva Compulsiva, o roadmovie La Vingança e o hit da internet "Choque de Cultura" - sendo que estes dois últimos, ele ainda assina como diretor. Com Uma Quase Dupla, Fraiha mira agora na comédia policial. E acerta de novo.

Na linha essa-dupla-improvável-vai-aprontar-altas-confusões (alô, Sessão da Tarde!), a primeira boa aposta do filme é exatamente essa: investir em um gênero (ou subgênero) pouco explorado por aqui. Cadê o A Hora do Rush brasileiro? O MIB tupiniquim? As Bem-Armadas dos trópicos? Uma Quase Dupla é a resposta. E o conceito de “cor local” aqui é realmente levado a sério.

No longa, Tatá (Keyla) interpreta uma experiente e atirada policial da “capital” convocada para auxiliar o inocente bom moço subdelegado local vivido por Cauã Reymond (Cláudio) na investigação de um crime inusitado ocorrido na pequena e pacata cidade de Joinlândia. À medida em que os dois mais se atrapalham do que evoluem na solução do caso, outros assassinatos brutais acontecem, com os habituais suspeitos do gênero.

O contraste entre os perfis dos personagens (e o background de seus intérpretes, claro) é outro ponto forte do filme. Enquanto Tatá trafega em seu habitual - e, ainda assim, hilário - registro cômico rápido e único, Cauã, que tem investido em uma carreira cada vez mais plural, surpreende no papel de alguém ingênuo e abobalhado. Bem-sucedida, a parceria dos atores é de fato uma dupla - e não quase, como no caso dos personagens.

Tempo e espaço caminham afinados na realização para garantir à produção o caráter “brasileiro” já citado. A trilha sonora, figurino e a direção de arte de forte coloração setentista não apenas evidenciam o tom de paródia a produções estrangeiras que explodiram naquela época, como também identificam “o interior”. Tenha você crescido em Votuporanga ou mesmo passado as férias da infância em Guaxupé, você vai (se) identificar (com) aquela cidadezinha tão comum no interior do Brasil “parada no tempo”.

O humor de Uma Quase Dupla oscila: dos momentos hilários de inversão de expectativa (há uma cena em que Cláudio para no meio de uma perseguição para papear com uma senhorinha) àqueles que beiram o pastelão barato (como tentar correr passando por cima de laranjas). Mas felizmente, o primeiro tipo prevalece.

Não só as mortes têm um bem-vindo quê de ridículo (e até de sofisticação visual), como os suspeitos são um delicioso leque de embustes (simbolizado na figura do agroboy vivido por Furlan - sim, ele de novo), o que leva a um divertido jogo de “quem matou?”

Fruto de um roteiro coeso e que tem o mérito de não se levar a sério, assinado por Leandro MunizAna Reber (e que contou com a colaboração de Tatá e Furlan). Consistente, mas não exatamente redondo. Mal explorados, os personagens de Gabriel GodoyAugusto Madeira não fazem nenhuma diferença para a narrativa.

Um buddy cop movie tipicamente tupiniquim, Uma Quase Dupla é mais um tiro de criatividade de um grupo de realizadores que tem entretido sem apelar para o humor datado e sexista que caracterizou nossa filmografia recente.