Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Megarrromântico

Meus queridos clichês

por Bruno Carmelo

Julgando por este filme, as comédias românticas representam mais do que um gênero cinematográfico: elas constituem um modo de vida. Identificar-se com a heroína de uma comédia romântica equivale a acreditar no amor perfeito, nas forças do destino, na superação das adversidades, apostar no “felizes para sempre” ao lado de um príncipe charmoso. A melhor representação deste otimismo não se encontra na protagonista, mas na assistente dela, Whitney (Betty Gilpin), uma mulher chorosa para quem o cinema serve acima de tudo como escapismo para os problemas da vida. Whitney acredita que a ilusão é necessária para equilibrar os aspectos sombrios da realidade.

Os melhores momentos de Megarrromântico se encontram no início, quando a cética Natalie critica os clichês do gênero: a briga de mulheres pelo homem ideal, o gay acessório que só serve para ajudar a protagonista, as câmeras lentas e narrações explicativas, o “charme” da garota que tropeça e cai com frequência. A talentosa Rebel Wilson, que tem constantemente brincado com sua obesidade, incorpora a mulher que nunca seria amada por um príncipe devido ao físico e à baixa autoestima. Ela trabalha as piadas sem esforço, evitando os exageros e sublinhando o patético das situações apenas quando necessário. Resta torcer para que a atriz não fique eternamente presa ao humor físico.

O roteiro logo evidencia a proposta de realizar uma homenagem às comédias românticas, ao invés de uma crítica. Sem romper com as regras, a narrativa insere a arquiteta amarga num mundo cor de rosa, apenas para concluir que, por mais superficial que seja, ele ainda possui apelo em sua artificialidade. Após uma primeira parte paródica, a segunda metade abraça a narrativa dos clichês românticos, fazendo o possível para equilibrar discurso feminista e idealização do amor perfeito. O resultado é razoavelmente bem-sucedido: após uma longa tirada sobre a valorização do amor próprio, o roteiro dá meia volta e propõe uma segunda alternativa, na qual a descoberta do par perfeito é necessária para a felicidade.

O roteiro se termina de maneira autoconsciente, ainda que não subversiva. O diretor Todd Strauss-Schulson assume o discurso do guilty pleasure: a comédia romântica seria irreal, porém deliciosa. Melhor do que abandoná-la por suas falhas seria tentar atualizá-la, aparar suas arestas de modo a conciliá-la, da melhor maneira possível, com as demandas de representatividade e empoderamento feminino. Esta concessão a ambos pontos de vista (o real e a utopia) resulta numa estética indecisa: enquanto a primeira metade se delicia com a estética asséptica dos figurinos e cenários românticos, a segunda metade se domestica até propor, de maneira clássica, o encontro de Natalie com o grande amor. No encontro entre dois mundos, as cenas na praça pública são bastante divertidas, enquanto os números musicais, mais numerosos na parte final, possuem direção fraca.

Megarrromântico segue uma tendência do humor autocentrado que tem funcionado muito bem desde as primeiras comédias de Woody Allen, e que se reforça no século XXI: não existe problema algum em parodiar as próprias falhas enquanto se continua a praticar os comportamentos considerados equivocados. A “adorável menina desajeitada” das comédias românticas, que tropeça e fala as palavras erradas, se transforma em cada nerd, cada vítima de bullying, cada pessoa levemente fora dos padrões de sucesso e beleza - o que constitui a grande maioria dos indivíduos, e permite fácil identificação. Se este discurso é nocivo ou não para a formação da identidade e autoestima, o projeto pondera: estes filmes seriam plenamente aceitáveis contanto que consumidos com senso crítico.

As comédias românticas sempre carregaram um germe de autoparódia, e em 2001 uma sátira cutucava os clichês do gênero de modo mais incisivo: Não é Mais um Besteirol Americano brincava com relações de classe e de etnia, com uma linguagem tão corrosiva quanto vulgar. Na época, nem o discurso nem a abordagem foram bem recebidos. Dezoito anos depois, no momento em que a Netflix investe com força nas comédias românticas, parcialmente abandonadas pelo circuito exibidor, ela fornece também seu inverso - a meta-comédia consciente de seus excessos, e orgulhosa disso. Megarrromântico funciona como um mea culpa, um lembrete de que a empresa pós-moderna ainda reproduz formatos próprios aos anos 1990, porém diluídos na visão de mundo dos anos 2010. Ele pode não ir muito longe na ousadia, no entanto proporciona uma brincadeira muito divertida, manipulando alegremente as regras que não pretende abandonar tão cedo.