Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Mektoub My Love: Intermezzo

A bunda da mulher independente

por Bruno Carmelo

I see you baby

Shaking that ass

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Shaking that ass

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Shaking that ass

(Groove Armada)

Se algum dia você se perguntar o que significa um “filme fetichista”, Mektoub My Love: Intermezzo pode representar o exemplo perfeito para se chegar a uma resposta. A produção francesa não é fetichista por conter mulheres em roupas justas, dançando de maneira sedutora numa casa noturna, enquanto beijam vários homens. Elas possuem, afinal, o direito de utilizarem seus corpos da maneira que quiserem. O resultado esbanja fetiche pela maneira como olha para estas personagens liberadas. O problema, no caso, se encontra na postura de quem está atrás da câmera.

O diretor Abdellatif Kechiche havia sido acusado de explorar a nudez e o sexo de suas atrizes em Azul É a Cor Mais Quente, razão pela qual parte considerável do público feminino rejeitou a obra. Neste caso, entretanto, a exploração se torna cristalina: o cineasta aproxima a câmera da bunda das garotas rebolando ao longo de longuíssimas imagens – existem apenas quatro cenas, somando três horas e meia de duração -, fechando o plano no contorno das nádegas, a forma do sexo marcando a calcinha ou maiô, e depois os seios, as pernas, o umbigo, os cabelos. O máximo que se mostra do corpo dos garotos, também presentes na festa, é o torso sem camisa. Num rápido momento em que Amin (Shaïn Boumedine) se levanta nu da cama de uma mulher, a câmera toma a precaução de se levantar com ele e esconder a genitália do ator. Quando Ophélie (Ophélie Bau) recebe sexo oral no banheiro da casa noturna, a imagem se concentra durante vinte minutos nos seus grandes lábios.

A duração excessiva reforça a vaidade deste exercício. É sintomático que Kechiche tenha cortado trinta minutos do projeto após a seleção em Cannes, reduzindo as quatro horas anunciadas inicialmente. Isso comprova que havia espaço para que tantas imagens fossem retiradas sem prejuízo à amostragem de garotas rebolando. A dilatação temporal possui um efeito estético específico dentro de produções como essa: ela traduz a sensação de cansaço e a ilusão de proximidade com o tempo real, o que amplia o realismo e dilui os conflitos num movimento orgânico dos personagens (ninguém para de dançar porque Ophélie afirma estar grávida, por exemplo). No entanto, Mektoub My Love: Intermezzo coloca o espectador na posição incômoda de voyeur, acompanhando os instantes que ninguém mais vê, assistindo de perto aos melhores momentos de pole dance, sem ser convidado a se identificar ou torcer por quem quer que seja, já que a construção dos personagens se limita às cenas presentes, sem preparação para um caminho narrativo posterior.

Tecnicamente, o resultado impressiona: o grupo de amigos e familiares conversa com uma naturalidade espantosa, manejando os diálogos em estilo verossímil a um encontro de amigos. Ora, este efeito não é produzido em plano-sequência, com os atores improvisando, e sim dentro de cenas intensamente decupadas, com quatro ou cinco enquadramentos diferentes para cada pequena conversa. Isso significa que os momentos com aparência de improviso foram repetidos diversas vezes para o olhar da câmera, preservando o frescor da espontaneidade, e de maneira coreografada o suficiente para que esse material pudesse ser montado sem problemas de continuidade. Para os atores, a experiência deve ter sido ainda mais exaustiva do que para o espectador: enquanto nós assistimos a 210 minutos de twerking, eles certamente reproduziram os rebolados durante muito mais tempo do que isso, até satisfazerem os desejos do diretor.

Por fim, Mektoub My Love: Intermezzo constitui uma mostra tragicômica de autoria no cinema, uma prova do que um cineasta consagrado é capaz de fazer por ter o poder de fazê-lo – e ainda ser selecionado no festival de cinema mais prestigioso do mundo. Se é possível falar em privilégio masculino, é devido a casos como este. O espectador permanece sentado, quieto e atento, assistindo a um grupo de pessoas se divertirem, não para os nossos olhos, mas apesar deles. Além disso, como sugere o título, Intermezzo constitui a segunda parte de uma trilogia, que começou com Canto Uno (2016), jamais lançado no Brasil. Os personagens retornam, incluindo o tímido Amin, Ophélie, Tony (Salim Kechiouche) e Charlotte (Alexia Chardard), com a inclusão da novata Marie (Marie Bernard). No entanto, dado o caráter esparso da narrativa, a experiência pode ser consumida de modo independente. Para o bem ou para o mal, o que interessa a Kechiche é a demonstração de controle e poder masculino, detendo em suas mãos o corpo das atrizes, o olhar do espectador e as atenções do disputado Festival de Cannes.

Filme visto no 72º Festival Internacional de Cinema de Cannes, em maio de 2019.