Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Vergel

Do luto ao sexo

por Francisco Russo

Uma mulher em um apartamento no exterior. Sozinha. Através de conversas ao telefone, sabe-se que seu marido morreu. Ela tenta, também pelo telefone, desenrolar a liberação do corpo, para que possa retornar ao seu país. Não consegue, também pelas dificuldades da língua e em compreender o sistema local. Enquanto isso, o tempo passa.

Em uma típica narrativa kafkaniana, a protagonista de Vergel se vê em uma enrascada sem saída aparente. Arrasada devido à morte do companheiro, sem conseguir voltar ao aconchego dos seus, ela sequer deixa o apartamento em que está - alugado? emprestado? não importa! A narrativa construída pela diretora Kris Niklison segue este ciclo: contemplativa, vagando pelos cômodos, à espera do tempo andar. Esteticamente, tal proposta é representada a partir de vultos e contornos, explorando a presença daquela pessoa que, mentalmente, divaga pelas memórias e no sentimento de não-pertencimento. O tempo, eterno, é também etéreo.

Sem se alimentar nem trocar de roupa, esta mulher sem nome perambula à espera de algum sentido para a vida, desconectada de quase tudo. O telefone é seu único contato com o mundo lá fora, que volta e meia vislumbra a partir da varanda, repleta de plantas. Seria a floresta enjaulada a culpada pela visão de macacos urrando no predio ao lado? Ou mero delírio de quem está fora de si, ausente da civilização? A resposta, jamais vem. Porque Vergel é assim, um filme muito mais de sensações do que explicações. Mais importante é sentir a solidão e a dor desta mulher, sem nome, estrangeira e abandonada à própria sorte.

Dentro de tal proposta, é interessante como a diretora conduz tamanho vazio rumo ao erótico. É da inconveniente aparição de uma vizinha enxerida que nasce a necessidade do sexo, como meio de preenchimento. O sorriso até retorna, tímido, mas logo se traduz em choro: a cama é local de afogar as mágoas, sozinha ou a dois. A fuga carnal é um mero refúgio, capaz de esconder a dor mas não de apagá-la.

Para que um filme tão intimista fosse realizado, era essencial que a parceria entre diretora e atriz fosse de absoluta cumplicidade. Camila Morgado cumpre à risca tal função, medindo o gestual de forma a potencializar a carga dramática e se entregando ao ponto de se expôr bastante, em uma cena de masturbação de ângulo quase ginecológico. Esta é uma história de mulheres, tanto diante como detrás das câmeras.

No fim das contas, Vergel agrada justamente por sua proposta conceitual, bem empregada tanto no aspecto técnico quanto narrativo. A fotografia busca o voyeur, disposta a mergulhar na mente desta mulher presa em um limbo espaço-temporal, enquanto a direção de arte ressalta o distanciamento de tal universo, sem qualquer objeto de afeto. O pecado do longa-metragem é, tão dedicado a uma proposta sensorial, pouco entregar ao espectador. Por mais que seja interessante como formato, o vazio constante da personagem provoca também um certo cansaço, especialmente na segunda metade. Soma-se a isso o timing errado na conclusão desta história, quebrando desnecessariamente um dos paradigmas de sua protagonista.

Bom filme, que merece crédito especialmente pelo talento de Kris Niklison na construção de tal ambientação e na dedicação de Camila Morgado em se entregar a tal papel, cujo brilho está muito mais no detalhe do que em grandes cenas.