Escândalos midiáticos
por Rodrigo TorresRidley Scott conduziu com muita inteligência o caso de assédio de Kevin Spacey. Ao demiti-lo prontamente de Todo o Dinheiro do Mundo, agiu em favor da opinião pública, gerando uma repercussão à feição do Globo de Ouro e ganhando três indicações ao prêmio — uma delas para si mesmo. Em dizer com firmeza que uma pessoa não poderia atrapalhar o trabalho de toda a equipe, fez campanha incidental para o Oscar 2018 e beliscou uma indicação para o substituto de Spacey, Christopher Plummer. Pois o fato é que a expectativa gerada foi muito além do objeto artístico, muito irregular e que dificilmente teria sido tão visto e considerado nessa temporada de premiações na ausência desses escândalos — mais bem explorados que o espetáculo midiático em que se baseia o filme.
Todo o Dinheiro do Mundo nem adapta uma história real recente, de conhecimento de todos. Apesar disto, há muito potencial no sequestro de John Paul Getty III (Charlie Plummer) e todo o imbróglio gerado a partir da recusa de seu avô, o bilionário e mesquinho Jean Paul Getty, em pagar o resgate. O problema é que o roteirista David Scarpa — a despeito das cartelas reforçando a liberdade da adaptação — parece se ater demais aos mínimos eventos do caso, como que reproduzindo detalhes que funcionam na obra original, um livro de John Pearson, mas no longa-metragem esvaziam a tensão e truncam o fluxo da narrativa.
Infelizmente, isso acontece após um início envolvente com qualidades típicas de um concorrente ao Prêmio da Academia (ecos fortes de Munique). Se o modelo é tradicional, não há o que falar sobre a aplicação da linguagem. A fotografia, por exemplo, se alterna entre uma paleta saturada que ora evoca o clima da África, ora o calor humano do lar de Gail Harris (Michelle Williams, regular no papel), mãe de John Paul Getty III; o tom frio ilustra o céu cinzento de Londres e a severidade de Paul Getty. Ainda melhor é a reconstituição de época, pelos figurinos, pela direção de arte e por elementos temporais como a contracultura, a febre dos paparazzi na Itália, o momento de Guerra Fria, perseguição aos comunistas, profusão de espiões etc. Quando há suspense, se investe em sombras, constrói-se atmosfera; pena que seja raro.
A imersão que esses aspectos técnicos proporcionam se esvai quando o enredo se subdivide e relega o sequestro em si de Getty III à condição de um arco desinteressante, com apenas um momento climático, só um, para priorizar um embate entre J. Paul Getty e Gail Harris que se ensaia e não se consuma. Ao contrário, eles se situam em partes diferentes do mundo e se isolam em segmentos rasos. Gail oscila entre a luta desesperada para reaver o filho e uma letargia estranha, que soa incoerente. Seu arco porta como tensão principal um clichê batido, e cretino: o interesse velado da mãe solteira por um homem misterioso, Fletcher Chase, ex-espião que é o chefe da segurança de Getty designado para solucionar o crime sem gastar um centavo. Interpretado por Mark Wahlberg, o personagem surge com um bom potencial nunca explorado, ficando longo minutos à margem, por vezes até cuidando dos filhos de Gail — algo nada condizente com sua postura durona e algumas falas autodescritivas (artifício comum em roteiro pobre).
Jean Paul Getty sofre igualmente da exposição grosseira ao espectador em detrimento de uma construção mais sutil. O magnata surge como o grande antagonista de Todo o Dinheiro do Mundo desde as primeiras cenas, quando apresenta sua moral distorcida, tendo sua concepção restrita a novas demonstrações de sua mesquinharia, sua frieza, de novo e de novo. A repetição tanto empata a trama, cansa, como derruba a complexidade do personagem. Quando já no fim o roteiro busca dimensioná-lo, resta mais nada em termos de nuance psicológica; "apenas" a atuação expressiva de Christopher Plummer, um mestre da atuação que dignifica sua indicação ao Oscar apesar do trabalho limitante de Ridley Scott e sua equipe. Eu diria até que por causa disso.