Universo de um homem só
por Bruno CarmeloO brasileiro Thiago Soares conquistou um feito raríssimo: foi escolhido primeiro bailarino do prestigioso Royal Ballet, de Londres. Mas como ele chegou ao cobiçado posto? Qual foi o caminho até a admissão? Que qualidades excepcionais o brasileiro possui em relação aos concorrentes? O que representa o fato de termos um conterrâneo em destaque no balé de outro país? De que maneira a dedicação intensa à dança afeta a vida do bailarino?
Essas seriam indagações naturais diante da trajetória de exceção. No entanto, o documentário não está disposto a responder nenhuma delas. O interesse do diretor Felipe Braga encontra-se apenas nas palavras e nos gestos de Thiago Soares antes e depois das apresentações. Por um lado, é compreensível que o projeto não enverede pela biografia tradicional, privilegiando a carreira do bailarino. Por outro lado, terminamos os 90 minutos de projeção desconhecendo as circunstâncias que permitiram o acontecimento de um fenômeno raro como este.
Durante a maior parte da projeção, Primeiro Bailarino sobrepõe o testemunho do protagonista, em off, a cenas dos ensaios dentro das dependências da instituição inglesa. Soares fornece suas receitas de sucesso, incluindo frases sobre persistência, resistência à dor, percepção de limitações físicas e humildade em relação a professores mais experientes. Estas cenas trazem a incômoda semelhança com vídeos institucionais sobre o amor à dança e a persistência necessária para chegar ao nível do ídolo. Como de costume nos discursos de autoajuda, um caso excepcional é vendido como modelo aplicável à média dos dançarinos, algo contraditório por definição.
O filme melhora bastante quando abandona o discurso “oficial”, “autorizado” e produzido pelo bailarino às câmeras, e se permite furtas cenas dos bastidores. Os poucos instantes de descontrole de Thiago Soares com os colegas e funcionários, ou a interação vacilante com Deborah Colker revelam um personagem mais humano, menos idealizado e didático do que o dançarino mostrado até então. É uma pena que o diretor tenha tanta dificuldade em captar as cenas de dança, correndo para acompanhar os gestos dos dançarinos sem conhecer suas movimentações prévias, nem se situar numa localização ideal para captar as apresentações.
A beleza da dança e sua qualidade técnica seriam elementos fundamentais para o espectador compreender a posição de destaque do personagem. Entretanto, a imagem treme tanto que o público se torna incapaz de acompanhar as coreografias. Paralelamente, a montagem envereda pela separação em capítulos (aqui chamados de “tracks”) que pouco acrescentam à organização narrativa, e acabam se repetindo: o capítulo “dor” revela o esforço físico bem demonstrado em outros trechos, e “repetição” reproduz ensaios vistos antes. O projeto decepciona por se revelar monotemático, autocentrado demais. Thiago Soares não é o meio utilizado para se compreender mais sobre o balé ou sobre diferentes culturas. O documentário parte de Thiago para chegar a Thiago.
Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.