Todo mundo tem segredos
por Bruno CarmeloEm sua estreia como diretor em O Segredo da Cabana, Drew Goddard surpreendeu ao subverter as regras do terror e promover uma viagem alucinante através dos códigos mais conhecidos do gênero. Enfileirando reviravoltas tão improváveis quanto empolgantes, demonstrou talento para lidar com humor, horror, aventura e drama. Sete anos depois, seu segundo filme como diretor busca repetir esses méritos em outro gênero, combinando clichês de faroeste, do huis clos (personagens impedidos de sair de um local fechado) e do whodunnit (o cenário onde todos os personagens são suspeitos de um crime).
O cenário é tão artificial quanto a cabana do filme anterior: desta vez, a ação se passa num gigantesco hotel situado sobre a fronteira de dois Estados norte-americanos, Califórnia e Nevada. Um único funcionário, jovem e atrapalhado, gerencia todo o estabelecimento, aparentemente sem um único hóspede, até a chegada de todos os protagonistas de uma vez só. O projeto se aventura por uma situação artificial: sua intenção é reunir pessoas de passado ambíguo misterioso, esperando para que o confronto entre elas revele os segredos pessoais. O voyeurismo de O Segredo da Cabana se mantém neste projeto, graças a novos dispositivos permitindo observar os personagens contra a vontade dos mesmos, dentro dos quartos.
A criatividade de Goddard não se limita à premissa. O diretor possui um talento notável para o uso de espaços e para os enquadramentos em locais restritos. A câmera giratória dentro de um cômodo onde uma cantora (Cynthia Erivo) treina suas canções, ou o jogo de espionagem através de uma porta aberta ao estacionamento exploram a construção de imagens com bem-vinda ousadia. Ao mesmo tempo, o filme se mantém leve, sem se levar a sério demais, especialmente na ótima interação entre Darlene (Erivo) e o padre Flynn (Jeff Bridges). Goddard sabe combinar a cinefilia com o pastiche e a crítica social, numa vertente não muito diferente de Quentin Tarantino, Robert Rodriguez ou Michel Gondry.
No entanto, a história se perde em seu próprio labirinto: quanto mais surpresas cria, mais dificuldade encontra em atá-las de modo satisfatório. A entrada de Billy Lee (Chris Hemsworth), rumo ao final, enfraquece a narrativa por apostar numa subtrama que o filme não tem tempo, nem a disposição de desenvolver. As questões sociais do início – o racismo dirigido a Darlene, o machismo com Emily (Dakota Johnson), as diferenças entre Sul e Norte – são abandonadas em prol de uma alucinação coletiva próxima da fantasia. Goddard busca uma conclusão apoteótica e inesperada, mas que não favorece o percurso de seus numerosos personagens.
Pelo menos, Maus Momentos no Hotel Royale reafirma a ambição saudável de brincar com lugares comuns e propor personagens que fingem ser outra pessoa, o que representa uma oportunidade ótima aos atores. Cynthia Erivo, vista nos cinemas recentemente em As Viúvas, possui uma força inegável no olhar, mesmo em silêncio, enquanto Jon Hamm e Jeff Bridges subvertem estereótipos de suas personas no cinema e na televisão. O jovem Lewis Pullman também se destaca numa transformação insana ao longo da trama. De modo geral, todos parecem se divertir muito neste teatro do absurdo que satisfaz enquanto exercício de gêneros e brainstorming para a criação de personagens, ainda que a narrativa caótica termine por soar um tanto vazia.