Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Uma Criança como Jake

A criança invisível

por Bruno Carmelo

Alex (Claire Danes) e Greg (Jim Parsons) estão preocupados. O casal tem longos debates sobre a melhor escola para o filho pequeno, o modo de protegê-lo dos perigos do mundo, a paixão do menino por vestidos e princesas da Disney. Eles consultam educadores, amigos, seus próprios pais, cada um com uma opinião distinta a respeito do comportamento atípico de Jake, entre corrigi-lo ou aceitá-lo como é. O roteiro é inteiramente dedicado às angústias dos adultos diante da evidência de uma criança transexual.

No entanto, falta um elemento importante a esta equação, e ao filme de modo geral: Jake. O garoto em torno do qual gira toda a trama praticamente não é visto nas imagens. Talvez pelas dificuldades de produção - é difícil dirigir crianças, que podem trabalhar poucas horas por dia segundo a lei -, o diretor transexual Silas Howard prefere retirá-lo de cena na maior parte do tempo. Quando é obrigado a enquadrá-lo, mostra trechos de braços, pernas, ou então um corpo atravessando rapidamente a imagem. Os adultos reclamam da invisibilidade do garoto, ignorado por escolas e pelos coleguinhas, no entanto o filme age da mesma maneira. Jake se reduz a um arquétipo trans sem voz nem personalidade própria.

Enquanto isso, os adultos se mostram multifacetados, ainda que contraditórios: Greg não soa verossímil como terapeuta, tanto pelo comportamento dentro do consultório quanto pela inabilidade em lidar com a identidade de gênero do filho; a diretora da escola Judy (Octavia Spencer) rebate com veemência um ataque homofóbico, embora o espectador sequer soubesse de sua homossexualidade; a melhor amiga Amal (Priyanka Chopra) parece lidar muito bem com Jake, até passar a julgar o garoto durante um jantar. Howard retira de seus atores a sutileza: diante de tantos conflitos internos, o diretor força o elenco a exteriorizar cada gesto ou pensamento, levando a uma atuação exagerada de Danes e apática de Parsons.

Esteticamente, a produção se contenta com o mínimo necessário: planos e contraplanos durante as conversas, imagens bucólicas dos parques ao fundo, dedilhados de violão e pequenas melodias ao piano, além de uma repetida imagem da cidade para sinalizar cada passagem entre a manhã e a noite, ou entre uma noite e a manhã seguinte. O cineasta demonstra dificuldade para trabalhar os elementos básicos da linguagem audiovisual: o tempo e o espaço, traduzidos num ritmo lento e uma aparência impessoal na sucessão de quartos, salas e consultórios de terapeutas. Neste projeto, a imagem se limita a ilustrar o roteiro.

Um Garoto Como Jake pode conquistar o público pela abordagem carinhosa de um tema complexo como a identidade de gênero na infância. Os protagonistas atravessam fases distintas da percepção à dúvida, da raiva à aceitação. Além disso, alguns personagens coadjuvantes como a paciente Sandra (Amy Landecker) roubam a cena em bons e raros momentos de humor. No entanto, o projeto jamais deixa o espectador observar os indivíduos trans por si mesmo, podendo estabelecer uma necessária empatia e identificação. Jake torna-se um importantíssimo tema de discussão, mas não um garoto de carne e osso.

Filme visto no 26º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2018.