Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Ocidental

O teatro dos preconceitos

por Bruno Carmelo

Desde a primeira imagem, o filme soa bastante artificial. O Hotel Occidental, onde se passa a trama, lembra um cenário teatral tosco. As cores berrantes chamam atenção demais para si mesmas, enquanto os personagens (a recepcionista burra, a diretora gananciosa, o estrangeiro sedutor) parecem saídos de um romance policial de banca de jornal. Para completar o conjunto, o formato de tela quadrado do diretor Neïl Beloufa torna o resultado estranho, por comprimir o espaço tão importante à premissa. Percebe-se a autossatisfação no suposto amadorismo.

Podemos pensar nos primeiros filmes de Pedro Almodóvar, nos quais caricaturas se confrontavam para construir a sátira social. O aspecto crítico também se destaca no filme francês: do lado de fora do hotel decadente, manifestantes protestam contra as medidas do governo xenófobo, e na televisão, um debate opõe uma comentarista progressista a um colega grosseiramente machista. O cenário confronta pessoas de diferentes gêneros, etnias e nacionalidades, tendo a precaução de distribui-los bem em suas funções: existem árabes na direção do hotel, nos serviços mais simples e dentro da polícia, ao lado de pretensos italianos, britânicos, gays, lésbicas.

Nenhum personagem é exatamente aquilo que diz ser: dois homens dormem num quarto juntos, então são considerados gays, a diretora presencia clientes perambulando pelos corredores, e imediatamente prevê um assalto, a polícia recusa as teses racistas lançadas no estabelecimento, mas apresenta suas próprias teorias conspiratórias. Pouco importa ao roteiro quem é o quê, exatamente. A brincadeira surge da ciranda absurda de preconceitos e “julgamentos apressados”, como diz policial. Todos os personagens possuem uma ideia clara de como outros tipos sociais deveriam agir, tornando-se desconfiados quando estes não correspondem às suas expectativas. O elenco, aliás, está particularmente homogêneo e equilibrado, sem jamais pender para o ridículo.

Em termos cômicos, Beloufa desenvolve um bom ritmo na duração enxuta de 70 minutos. O clima de suspense permanente (Existem ladrões? Eles são perigosos? Seriam terroristas? Manifestantes infiltrados? Quem está seduzindo quem?) se sustenta através das pistas falsas, embora o tom jocoso deixe claro que a resposta, afinal, importa pouco. Occidental, como sugere o título, suscita um debate sobre tipos e funções numa época de polarização política. As cenas de confronto nas ruas resumem bem a proposta, em enquadramentos aéreos, azulados e enfumaçados, que mais lembram o clipe “Thriller” de Michael Jackson do que um protesto real.

Rumo ao final, o filme perde sua intensidade ao apostar num humor físico que não tinha sido utilizado até então. A ideia de implosão é inteligente para interromper a tensão gradativa, porém deixa a macro política em segundo plano para privilegiar a desconstrução dos estereótipos locais. Mesmo que a obra seja incapaz de se aprofundar nos inúmeros temas sociais que aborda, ela apresenta um humor perspicaz, ciente do caldeirão explosivo que tem em mãos.

Filme visto no 6º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2017.