Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Newton

A tragicomédia da democracia

por Bruno Carmelo

O jovem Newton (Rajkummar Rao) não se adequa muito bem aos costumes indianos. Ele é funcionário exemplar de um departamento onde os colegas não gostam de trabalhar, rejeita o casamento com uma garota sem diploma universitário e assume com orgulho a tarefa de coordenador de uma zona eleitoral quando ninguém se preocupa com as eleições presidenciais. Seu nome nem mesmo é Newton, e sim “Nutan”, mas a semelhança fonética faz com que assuma o sobrenome do físico britânico. Ele é arrogante, como aponta um professor, mas dono de um princípio ético inflexível. O jovem constitui, em outras palavras, a exceção que confirma a regra.

A comédia dramática do diretor Amit V Masurkar ilustra algo que os brasileiros chamariam de malandragem, de “jeitinho”, ou corrupção generalizada que impregna todo um sistema. Embora retrate uma situação indiana, habitantes de outros países do BRICS não devem encontrar dificuldade para se identificar com o panorama de subornos, chantagens, privilégios aos poderosos, manipulação da imprensa e do povo. Enviado a um minúsculo povoado no meio da floresta, Newton está decidido a conduzir as eleições de modo correto, porém enfrenta resistência dos militares, da guerrilha oposicionista e dos próprios habitantes, que desconhecem os candidatos e não acreditam no potencial transformador do voto.

O elemento mais interessante do filme é a desconstrução do heroísmo de Newton. Se este fosse um drama hollywoodiano, o jovem venceria todos os adversários e ensinaria o poder da força de vontade. Aqui, ele precisa se dobrar às regras locais, não antes de travar uma guerra pessoal, em tons cada vez mais quixotescos. Embora o resultado seja um constante feel good movie sobre a corrupção, Newton é carregado de um fundo amargo, equilibrados pelos argumentos válidos das vozes opositoras, como da guia local (Anjali Patil) e dos moradores das florestas. Não se corrige um sistema falho do dia para a noite, e os esforços, por melhores que sejam, constituem passos minúsculos.

Esteticamente, Masurkar opta enquadramento em scope, essencial para retratar o peso da paisagem sobre o frágil Newton, favorecendo sua situação de isolamento. Longe do típico retrato urbano da Índia, o diretor desloca seus personagens a um cenário relativamente indistinto, de modo impregnar a fábula com questões universalizantes. De resto, não há grandes pretensões nos movimentos de câmera, montagem ou fotografia: o projeto adota o tom pastel e agradável de uma comédia popular. Talvez a intenção seja justamente educar o público amplo sobre o poder da democracia.

Entretanto, a mensagem é prejudicada pela embalagem doce demais para um debate tão potente. Newton consegue inserir uma quantidade louvável de aspectos sociais e econômicos à narrativa, mas se esquiva a cada vez que eles ameaçam tornar o discurso pesado demais. O resultado garante uma introdução a discussões importantes que o espectador precisará desenvolver por conta própria. Por trás da fábula de um idealista incorrigível, o filme esconde fissuras graves que marcam as democracias mais frágeis.

Filme visto no 6º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2017.