Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Elisa y Marcela

O teatro do amor romântico

por Bruno Carmelo

Elisa (Natalia de Molina) e Marcela (Greta Fernández) se apaixonam à primeira vista. No dia em que se encontram, não conseguem se desgrudar. No dia seguinte, secam uma à outra, molhadas pela chuva. Na próxima cena, elogiam o corpo da amada. Em seguida, escrevem cartas com juras de amor eterno. Para representar a história do primeiro casamento entre duas mulheres na história da Europa, em 1901, Isabel Coixet se apropria das narrativas de paixão incontrolável, de destinos unidos apesar das dificuldades, e sacrifício em nome do amor verdadeiro.

Para um discurso tão escancaradamente emotivo, a cineasta investe em dois estilos que soam anacrônicos ao cinema do século XXI: primeiro, o melodrama típico do cinema clássico, que precisa excluir as zonas cinzentas para deixar claras a luz e as trevas, o certo e o errado. Elisa e Marcela são vítimas, puras e ingênuas, enfrentando uma corja de pessoas perversas – curiosamente, os personagens portugueses são tratados com um pouco mais de tolerância. Segundo, Coixet se apropria das ferramentas do cinema mudo, com uma expressividade exagerada das atrizes, efeitos de íris e sobreposições, maquiagem teatral e uma trilha sonora quase ininterrupta de piano, sublinhando o teor das imagens.

O efeito é exagerado, e consciente de sê-lo. Elisa y Marcela nunca pretende ser uma obra realista, e sim uma parábola sobre as dificuldades da aceitação do outro. As protagonistas são tratadas como figuras sem personalidade definida – mal sabemos o que pretendem fazer no futuro, seus gostos, suas visões sociais. Assim, tornam-se exemplares de párias da sociedade. A intenção é clara: mostrar como, em 118 anos, a sociedade não avançou muito, os casais homossexuais ainda precisam lutar pelo direito de existir e se casar. Portanto, precisamos nos instruir, nos abrir à diferença, observar a alteridade com maior empatia.

Se o discurso humanitário é louvável, a linguagem cinematográfica não deixa de causar algum desconforto. O problema não se encontra em tantas caricaturas imagéticas, e sim no fato de tentarem se passar por sutileza e delicadeza. “Quem sou eu? De onde venho?”, sussurra Elisa aos céus na cena inicial, com seus cabelos ao vento. “Posso tocar o seu rosto?”, pergunta a outra, envelhecida por uma maquiagem monstruosa. Diante de um caso claramente farsesco e excepcional, Coixet leva-se a sério demais, não adota recuo para conceber o absurdo da situação – tanto o sofrimento das duas quanto a decisão desesperada de se travestirem para ficar juntas.

Aliás, a cena mais importante desta trajetória é ocultada do público: a concepção da ideia hercúlea de simular uma nova identidade seria essencial para que o espectador pudesse compreender melhor a importância dessas figuras históricas. No entanto, Coixet prefere criar um segredo sobre o plano, para então revelá-lo mais tarde. Por que ocultar do público o momento mais simbólico da história, aquele que praticamente motiva a sua existência? Do mesmo modo, a questão da sexualidade é mal trabalhada: para um público contemporâneo, seria essencial distinguir o travestimento de Elisa de uma possível transexualidade, duas coisas muito distintas. Um dos principais estigmas contra a população trans diz respeito à impressão de falsidade, de tentativa de “enganar” as pessoas, algo de que o filme não se afasta com necessária clareza.

Dentro da sala de cinema, Elisa y Marcela despertou alguns risos, em cenas que não parecem ter sido concebidas com esse propósito. No terço final, a história enfim permite algumas cenas de humor, importantes para balancear a estética soturna. Mas então, já será tarde: o filme fica perdido entre ser antigo (pela temporalidade) ou retrógrado (pela dificuldade de dialogar com os nossos tempos), dramático ou farsesco, biográfico ou fantasioso. As cenas de sexo resumem esta grave indecisão: às vezes o erotismo envolvendo Elisa e Marcela envolve polvos e outros elementos simbólicos, às vezes se aproxima de um realismo mais cru. Os dois registros, juntos, não dialogam. Coixet parece não saber muito bem para qual lado ir.

Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.