Críticas AdoroCinema
5,0
Obra-prima
Hamilton

Uma obra-prima musical

por Katiúscia Vianna

O nome Hamilton não é muito conhecido no Brasil. Talvez somente pelo piloto Lewis Hamilton ou pelo comandante Hamilton da TV. Mas, nos Estados Unidos, essa palavra tem outro significado. Lá, se refere ao musical homônimo de Lin-Manuel Miranda (MoanaO Retorno de Mary Poppins), que se tornou um fenômeno de popularidade e, finalmente, chega ao Brasil através do catálogo do Disney+.

Mas Hamilton não é um musical comum. Para começar, a versão presente no streaming do Mickey Mouse não é uma adaptação cinematográfica; trata-se de uma versão filmada dos palcos, com os atores originais da peça. Curiosamente, ela foi realmente pensada para ser exibida nos cinemas. O plano era estrear em 2021. Mas veio a pandemia. Broadway fechou. Surgiu uma oportunidade de entreter as pessoas presas em casa com saudades do teatro (ou simplesmente curiosas em entender o hype ao redor do nome).

Hamilton é um musical de sucesso

Então, para analisar Hamilton (o filme), existem duas opções. A primeira (e mais simples) é observar seu conteúdo. Contar a história de um dos pais fundadores dos Estados Unidos — Alexander Hamilton, primeiro secretário de tesouro do país — através do estilo hip-hop. Resultado? "Somente" um Grammy, um Pulitzer e onze Tony Awards (o Oscar da Broadway). 

Eu podia passar horas desconstruindo a trilha sonora, mostrando como ele conta a história de maneira genial musicalmente (e existem vídeos no Youtube que fazem isso muito melhor do que eu). Basta dizer que as canções são realmente muito boas, capazes de manter sua atenção por mais de duas horas e meia. Desde a imersão na ideologia de Aaron Burr (Leslie Odom Jr.) em "Wait For It" até os raps da sagacidade de Angelica Schuyler (Renée Elise Goldsberry) em "Satisfied", é uma construção coesa de personagens em meio a refrões cativantes.

Por outro lado, te apresenta figuras historicamente imaculadas como pessoas comuns. Sem contar a significância política que tem uma obra capaz de ressaltar a importância de imigrantes na construção dos Estados Unidos. Mas como Hamilton conversa com o Brasil? Além do aspecto político, a grande manobra de Lin-Manuel Miranda é que ele usa um pedaço da história dos norte-americana para contar uma trama com valores universais: a busca de uma vida melhor, empoderamento feminino, traição, romance, sacrifício, conflitos... 

O musical de Lin-Manuel Miranda ganha nova vida nas telas

Surge então a segunda forma de analisar Hamilton: a transição dos palcos para as telas. Uma questão essencial foi escalar o diretor original da peça, Thomas Kail (Fosse/Verdon), para comandar a filmagem. Conhecendo cada detalhe da performance como a palma da mão, ele sabe exatamente para onde mirar sua câmera, mostrando o necessário para compreender a cena em questão. Então, os closes existem para os momentos mais íntimos, mas se tiver algo, do outro lado do palco, que te ajude a contar a história daquela cena, o enquadramento irá te mostrar, por menor que seja o detalhe.

Sem falar que os planos abertos destacam a composição cênica — seja o furação de emoções na metáfora de "Hurricane" ou os atores recriando seus passos ao contrário em "Satisfied". Só que Hamilton (o filme) ainda traz algo diferente da experiência que você teria no teatro. A câmera passeia pelo palco, seguindo os movimentos dos atores de uma forma imersiva, como se você estivesse ali do lado deles.

E Lin-Manuel Miranda é um cara sagaz. Ele sabe de suas limitações, então escolheu um elenco capaz de ofuscar o protagonista quando for necessário. Leslie Odom Jr. é simplesmente fenomenal como Burr, Phillipa Soo te emociona com um olhar de Eliza, Renée Elise Goldsberry é cativante e Daveed Diggs comanda o palco como ninguém, criando dois personagens, Lafayette e Thomas Jefferson (algo bem diferente de seu papel em Expresso do Amanhã). Até o alívio cômico, que é mais exagerado, se torna um dos destaques da peça, com Jonathan Groff impagável como Rei George.

Lin-Manuel Miranda se referiu a Hamilton "como a América de agora contando a história da América de antes" — por isso a inovadora escalação de pessoas de cor para interpretar personagens brancos. É isso que a peça faz de melhor: usar a voz moderna para contar algo que deu origem ao que conhecemos hoje. Explicando como não temos controle sobre a forma que irão contar nossas histórias no futuro, mas nada te impede de fazer a sua parte para mudar o mundo. E ensina tudo isso com uma batida maneira.