Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Coração de Cowboy

Melodrama sertanejo

por João Vítor Figueira

Não faltam boas intenções a Coração de Cowboy, longa-metragem que busca se posicionar no mesmo cânone de produções sobre a música sertaneja que já ganharam destaque no cinema nacional, como O Menino da Porteira e 2 Filhos de Francisco. A ideia central do filme é, no mínimo, corajosa ao arranhar a superficialidade da indústria cultural movida apenas a cifras (não as musicais), especialmente quando ousa cutucar o vespeiro do mercado do sertanejo universitário moderno, no auge de sua popularidade. A execução, entretanto, nunca decola completamente ao investir de maneira confusa no estilo e frágil na substância.

Gabriel Sater, filho do ícone do sertanejo-raiz Almir Sater, também cantor e compositor, interpreta o protagonista Lucca. O personagem principal do longa-metragem de estreia do diretor Gui Pereira é um cantor de sertanejo universitário que faz sucesso com músicas plastificadas sobre bebedeiras e curtição, mas tem em si a ânsia de perseguir seu verdadeiro tino artístico. Sua vontade de fazer outro tipo de música esbarra  no pragmatismo de sua empresária-má (Françoise Forton) e na inverossímil rejeição do público a uma outra guinada em um de seus shows.

É comum que críticos de cinema comparem filmes extremamente sentimentais a novelas, o que muitas vezes é injusto com as produções televisivas. Se Coração de Cowboy exibisse um melodrama bem feito, com situações mais críveis e reviravoltas que surpreendem, como em um novelão dos bons, seria muito mais eficiente em transmitir a carga emocional que pretende.

Já nos primeiros minutos do longa-metragem, o filme é tomado por uma comicidade não-intencional em função da dramaticidade pouco natural dos atores jovens que interpretam Lucca, seu irmão Guga e a menina Marcelle. O trio de cantores adolescentes tem a carreira é interrompida por uma tragédia (a morte de Guga) que envolve todo o tipo de clichê: o acidente é antecedido por uma briga constrangedora, a música melosa vai às alturas para te fazer chorar, há pessoas chorando debaixo de uma chuva...

Como ator, Sater se sai razoavelmente bem no papel principal e musicalmente não decepciona: uma canção original do cantor-ator é um bom destaque do filme. Infelizmente, entretanto, Sater tem que encenar cenas de drama forçado, piegas mesmo, como quando Lucca — frustrado por ter que gravar uma música com um cantor de funk — encontra refúgio ao olhar de forma abobalhada para um disco de ouro de Chitãozinho & Xororó. Ele quer um retorno à tradição, já entendemos. Coração de Cowboy cria situações sem espaço para muitas ambiguidades, com diálogos puramente utilitaristas e um ritmo narrativo arrastado durante suas duas longas horas de duração.

Vale ressaltar que o catálogo da dupla que alçou "Evidências" ao patamar de canção favorita dos brasileiros (ao menos quando se trata de brincar no karaokê) é o grande destaque de Coração de Cowboy, com direito a performances rearranjadas de clássicos do catálogo dos artistas, nas vozes de Marcos e Belutti, Família Lima e Rio Negro e Solimões. Mas se a homenagem é válida, a maneira como ela se dá acaba por fragilizar o filme, uma vez que a linha entre o (justo) tributo aos ícones do sertanejo não se esforça para fugir da mistificação pura e simples, incluindo a presença pouco desenvolta dos próprios artistas no filme.

Quando Lucca viaja de volta à sua cidade natal para reencontrar suas raízes e cuidar do pai (Jackson Antunes) doente, com quem é brigado desde a morte do irmão, surge em cena o inevitável interesse amoroso do protagonista. Paula, interpretada por Thaila Ayala, é a dona do bar que recebe apresentações musicais na cidade e é uma personagem prejudicada por um desenvolvimento superficial. O romance de Paula com Lucca tem uma jornada sem surpresas com direito a rejeições e aproximações calculadas que dividem espaço com um arco desinteressante (sobre a família de Marcelle) e um mais importante que poderia ter tido mais espaço (a relação de Lucca com o pai). É do arco dramático com o pai que brota uma pérola de Coração de Cowboy, a grande cena do longa-metragem. O trecho mais bonito do filme se dá quando Antunes canta "Fogão de Lenha" e a câmera de Pereira acerta ao se fixar no rosto do ator, em ótima performance, em primeiro plano.

Esteticamente, a fotografia do longa-metragem aponta para uma atmosfera de fantasia que não deixa de causar uma certa estranheza no espectador, como se todo o filme fosse um grande flashback ou sequência de sonho. A estilização é tão grande que é como se a linguagem do longa-metragem se aproximasse mais da identidade visual de um comercial ou videoclipe.

É inegável que há muita paixão envolvida por parte dos realizadores de Coração de Cowboy no desenvolvimento do projeto. Mas a verdade é que nem mesmo a boa vontade do diretor ou a dedicação de Sater fazem o filme alcançar a plenitude de seu potencial.