Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Estás me Matando Susana

A vítima não é quem parece ser

por Barbara Demerov

É curioso como o cinema, em pleno 2018, ainda trata relações amorosas pautadas pela fome de poder e submissão com tom de zombaria. Estás me Matando Susana é um exemplo cinematográfico que não condiz com as discussões cada vez mais em alta, que vão desde o respeito às mulheres até ao papel das mesmas na sociedade. A história de um casal que passa por uma grande crise no casamento poderia trazer reflexões e questionamentos, mas nada disso acontece neste caso.

Pelo contrário, a saga de Eligio (Gael García Bernal), que vai do México aos Estados Unidos em busca de sua esposa Susana (Verónica Echegui), possui um viés egocêntrico, que prioriza as questões do marido. Em nenhum momento é possível saber o que de fato passou na cabeça da esposa a ponto dela abandonar seu apartamento do dia para noite e seguir para Iowa a fim de iniciar um curso de literatura. Se por um lado é interessante ver este "desvio" na vida da mulher (mesmo que pelos olhos de Elígio), pelo outro ele para ali mesmo, sem explicar a razão mais a fundo. Mas, de certa forma, esta dúvida vai sendo dissolvida - pelo bem ou pelo mal, a única direção que temos é aquela para qual Elígio segue, possibilitando que conheçamos sua personalidade.

Não há dúvida alguma: o protagonista é carismático. Gael García Bernal é um ator excepcional cuja força é exposta a todo o momento, e a direção aproveita bem isso ao acompanhá-lo com a câmera, destacando seus movimentos e expressões. Porém, o carisma não é suficiente para torná-lo amável. O comportamento impulsivo e abusivo (verbal e fiísico) para com Susana é explícito desde a primeira cena e se mantém até a última cena, apenas com algumas nuances que tentam mascarar seus atos - inclusive pela própria esposa.

Além das motivações de Susana não serem tão explicadas, a compulsão de Eligio se baseia apenas no fato de possuir sua esposa como troféu. Ele não tem interesse no trabalho que ela está fazendo nos Estados Unidos, tampouco por suas publicações. Ele a segue apenas para tê-la em vista e não dá espaço algum por conta de sua insegurança e de seu raciocínio machista (especialmente após saber que Susana conheceu um outro homem durante sua viagem). Todas as situações pelas quais o protagonista passa são inconvenientes e cheias de deslizes, mas o filme ainda as trata como cômicas. Assim, aliado ao já citado carisma de Gael, o caminho para "esquecer" da natureza repreensível de tais atitudes (como traições) fica um tanto desobstruído.

As brigas do casal são sempre relacionadas a outro homem ou ao próprio Eligio, que por vezes consegue atenção e até mesmo uma pausa na situação conjugal. Susana certamente é uma personagem muito mais interessante do que ele, mas sua falta de espaço torna impossível saber o que ela está sentindo (mesmo sendo o foco de toda a história). Tal observação constata como o protagonista gira apenas em torno de dele, sendo toda sua aventura voltada à segurança que deseja resgatar e não ao amor que nutre pela esposa. Mesmo assim, o roteiro ainda dá um jeito de transformá-lo em vítima no terceiro ato - coincidentemente no momento em que Susana aparenta querer seguir com sua vida de vez.

Ao contrário do que o título indica, não é Susana quem está fazendo algo a Eligio. O humor contido no filme atrai especialmente por conta do ritmo equilibrado da narrativa e da dupla de personagens principais, que está ótima - mas no momento em que há a consideração real do que foi dito ou feito, a graça se esvai e a sensação de desconforto toma seu lugar.