Avante!
por Francisco Russo"Qual é a minha sentença?"
"Você irá senti-la na pele!"
Assim como em vários outros países latino-americanos, o Uruguai teve uma ditadura militar que trouxe marcas indeléveis, na democracia e na sociedade. Sob o aspecto da perseguição e dos traumas impostos, Uma Noite de 12 Anos poderia perfeitamente se passar na Argentina ou no Brasil, por exemplo, já que o modus operandi é sempre parecido nos governos que abusam da força para impôr alguma ordem. Entretanto, este não é propriamente um filme sobre os abusos cometidos, por mais que eles estejam escancarados a cada minuto. Este é um filme sobre não se entregar, por mais que não haja a menor perspectiva de mudança. A sobrevivência, por si só, já é uma vitória.
Com tal filosofia em mente, o diretor Alvaro Brechner entrega um filme necessariamente duro, com sequências pesadas e dolorosas onde a tortura física e psicológica são apresentadas, mas que no fim das contas são apenas um meio para se atingir tal objetivo. Habilmente, Brechner "esconde" seu personagem mais conhecido: a história de José Mujica apenas ganha destaque já no meio do longa-metragem, justamente para que sua popularidade não ofusque a importância do ocorrido. É na vivência do trio formado por Mauricio Rosencof (Chino Darín), Eleuterio Huidobro (Alfonso Tort) e Mujica (Antonio de la Torre) que está a força do longa-metragem, pela batalha interna para não sucumbir à loucura ou mesmo ao suicídio.
Diante de tamanha provação, Uma Noite de 12 Anos entrega breves pílulas de alívio que, por vezes, soam cômicas - não necessariamente em uma tentativa de ridicularizar o exército ou a ditadura, mas pela dificuldade em ter uma visão além das ordens dadas. O combate entre truculência e sensibilidade é constante, retratado especialmente a partir de Mauricio, o que amplia ainda mais o impacto das pequenas vitórias do dia a dia. É o caso da tocante conversa pelas paredes entre dois prisioneiros, tão contundente não só pela execução mas também pelo que representa ao espírito dos envolvidos.
É desta forma que Uma Noite de 12 Anos sempre caminha. Doloroso na carne e na alma, por vezes arrastando seus personagens e o espectador rumo à lama, encampado em um idealismo que vai além do político para mergulhar, fundo, no humanitário. Os momentos em que estão prestes a sucumbir não são poucos, e o diretor jamais os esconde; pelo contrário, há uma sensibilidade ao retratá-los que torna os personagens ainda mais humanos. Gente como a gente, lutando pelo simples ato de viver.
Extremamente bem dirigido, Uma Noite de 12 Anos conta com uma fotografia que capta bem o clima claustrofóbico inerente ao cárcere e uma edição meticulosa, especialmente na inserção dos flashbacks durante a narrativa. Com o trio protagonista absolutamente entregue aos personagens, não só pela necessária transformação física mas também pelo inevitável peso emocional decorrente desta história, o filme ainda merece destaque pela brilhante recriação da canção "The Sound of Silence", cuja força nas letras é realçada pela pujante versão de Silvia Pérez Cruz. De arrepiar.
Entretanto, mais do que a excelência nas atuações e nos aspectos técnicos, Uma Noite de 12 Anos é um filme de significado imenso pelo que representa. Seu brilho não está nas agruras da ditadura ou mesmo na denúncia dos absurdos cometidos, mas na beleza das pequenas conquistas, tão valorizadas quanto raras pelas dificuldades enfrentadas em apenas viver. Um filme lindo, que diz muito sobre quem somos - para o bem e para o mal.