Jesus à prova da ciência
por Bruno CarmeloPrimeiro, um alívio: depois de tantos filmes religiosos com aspectos técnicos deficientes e desenvolvimento narrativo precário, é bem-vinda a chegada de um drama cristão com mínimo refinamento em direção e atuação. Existe evidente tentativa de explorar a linguagem cinematográfica para além das bases do telefilme. Segundo, um aviso: esta resenha é escrita por um crítico ateu. Sabendo que não existe crítica imparcial ou objetiva, é importante reconhecer que este fator influencia a visão do escritor sobre o mundo, a arte, o cinema e, por extensão, também este filme.
Em Defesa de Cristo se abre e se conclui como uma obra de propaganda. Existe o mérito da sinceridade neste processo, mas também a limitação de debater os dois lados da crença (teísmo versus ateísmo) sem real interesse em compreender a parte adversa. Um vídeo com o verdadeiro Lee Strobel, jornalista que deu origem à história, pede aos espectadores que “convidem amigos, vizinhos” para a sessão, transformando-se em “missionários da mídia”. O videoclipe da canção-tema, entoado por Aline Barros, é espremido entre os créditos para reforçar a mensagem sobre a importância de acreditar em Deus.
Ao invés de defender os valores cristãos, o projeto tem como principal objetivo desconstruir o ateísmo a partir da figura do jornalista cético que, confrontado às supostas evidências da existência de Deus, se transformou em pastor evangélico. Portanto, a discussão é menos bíblica do que científica: Strobel consultou historiadores, médicos, psicológicos e outros estudiosos sobre a possibilidade da ressurreição, premissa fundamental do cristianismo. Cada um discute sobre sua respectiva área: uma psicóloga explica fenômenos de psicose em massa, o médico discorre a respeito do “estresse nos músculos peitorais” de Jesus crucificado.
Em termos científicos, entretanto, o projeto possui falhas evidentes. As personagens religiosas sugerem que não é preciso comprovar a ressurreição em si, apenas que Cristo foi morto na cruz, e depois visto em vida. Ora, esse atalho lógico funciona como confissão de que, biologicamente, a ressurreição é impossível. Além disso, embora os indícios do falecimento de Cristo na cruz sejam fortes, a comprovação da vida pós-morte é muito mais questionável: centenas de pessoas teriam visto Cristo vivo, mas não existe nenhuma prova fatual disso. Uma psicóloga defende que seriam impossíveis tantas pessoas terem visto a mesma coisa no século I. Por quê?
Talvez ciente de sua fraca tese científica, Em Defesa de Cristo passa a defender a importância de religião como sinônimo de amor, além dos benefícios que a crença pode trazer a uma pessoa. Nesse aspecto, o filme se sai muito melhor: quando a esposa de Lee, Leslie (Erika Christensen) passa a frequentar os cultos, o roteiro demonstra como as palavras religiosas podem servir de reconforto, sejam elas comprovadas cientificamente ou não. “A fé é a prova de coisas que não podemos ver”, ela afirma, lembrando que a religião possui seu funcionamento próprio, uma sustentação retórica autossuficiente, esbarrando em problemas sempre que deseja se demonstrar científica – caso dos “milagres” como aparições da Virgem Maria, por exemplo.
Em determinadas cenas, o ateu convicto Lee é visto como uma figura arrogante, contrária à benevolência da esposa. No entanto, de modo geral, o diretor Jon Gunn e o ator Mike Vogel conseguem demonstrar respeito pela figura de pensamento contrário ao do filme. Lee não comprova a existência da ressurreição, mas também não comprova que ela não existiu. Ele perde a batalha por desistência, parando de enxergar o mundo pelo prisma das evidências. Enquanto isso, numa subtrama paralela, o jornalista comete erros numa investigação, servindo para sugerir que provas podem “cegar” os homens. Ironicamente, o filme que se pretende científico termina por dizer que a ciência nem é tão importante assim, mais vale ter amor, ter o sentimento de estar fazendo a coisa certa. Isso poderia representar uma derrota, porém Em Defesa de Cristo ostenta sua conclusão como uma vitória. Para Lee, pelo menos, certamente o foi.