Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Gosto Se Discute

Cinema também se discute

por Rodrigo Torres

Entre esclarecimentos e controvérsias, a coletiva recente do atual Ministro da Cultura do Brasil, Sérgio Sá Leitão, observou algo pertinente: por obrigação legal, filmes nacionais que poderiam estrear direto na televisão ou em VOD (vídeo sob demanda) são lançados nos cinemas. A provocação ganha força se tirada de seu contexto original (o mau desempenho de grande parte dos longas no circuito) e aplicada à análise em âmbito criativo das obras que chegam às salas do Brasil. É fácil encontrar filmes que são pouco ou nada pensados para a tela grande — como é o caso de Gosto Se Discute.

Cortesia do diretor André Pellenz. O realizador demonstra a mesma burocracia estilística nas adaptações Minha Mãe é uma Peça e Detetives do Prédio Azul (D.P.A.), sucessos garantidos pela popularidade das obras originais televisivas e pelo talento de um Paulo Gustavo. Em Gosto se Discute, essa falta de inspiração imagética (plano e contraplano em close e outros enquadramentos típicos da TV diária — formato que dificulta uma linguagem mais elaborada) compromete o apelo da narrativa. A montagem também derrapa, sendo a última cena do filme uma peça inexplicável em seu corte final. O ângulo traseiro surge indecifrável quando enquadra de costas o garçom que fala sem que isso represente qualquer função diegética, só desleixo. Em outro momento, parece esconder Kéfera Buchmann e apostar no melhor do elenco, Cássio Gabus Mendes.

O que não se justifica como elaboração de cena, e tampouco pela atuação da youtuber. Atriz formada no teatro, Kéfera tem atuação correta e ajuda a proporcionar o que o longa-metragem tem de melhor: a química entre Augusto, um chef veterano ressentido com o estado crítico de seu restaurante, vencido pela concorrência de um food truck; e Cristina, jovem auditora responsável por promover mudanças no local e salvar o investimento do banco em que trabalha. A história de Gosto Se Discute é simples, porém simpática, sendo seus trunfos (além da curta duração) o romance improvável do duo principal e a boa virada que essa relação promove na trama. O ponto negativo encenado pelo casal também recai sobre Pellenz e equipe: sua sequência de sexo, que destoa do tom de filme, soa como uma peça à parte, e se prolonga à toa — pois não é nem um pouco passional ou bem filmada, apesar de ansiar ambos.

Gosto Se Discute segue o tempo todo assim, entre bons e maus momentos. Ora uma sacada bacana, como o pesadelo de Augusto como cozinheiro de um restaurante de gastronomia a quilo ou por seu esforço em fazer humor de situação atual, ora uma sucessão de gags previsíveis, trocadilhos bobos e falas clichês piorados por seu encadeamento frágil e a redundância de uma trilha sonora simplória, e pueril. Quando não é tudo junto, como o desperdício de uma cena bonita (no caso, rara) à contraluz.

Dada a sua despretensão em articular a linguagem cinematográfica com mais apuro, é curioso perceber que Gosto Se Discute seja bem-sucedido em sua totalidade ao explorar a culinária, cuja popularidade recente deriva justo da televisão, do sucesso mundial de Masterchef. Todas sequências tão bem montadas quanto o cardápio de Augusto; os pratos, revolucionários como a bandana do cozinheiro e seu apreço pela filosofia rock'n'roll, apenas sugestionado. Nesse desfecho, a religião negra tem visibilidade muito bem-vinda em tempos de persistente perseguição. É o instante em que o cinema de Pellenz provoca e discute algo de fato, com elegância e sutileza. Pena que também de modo tão breve.