Defesa de tese
por Bruno CarmeloO documentário A Hollywood de Hitler é legitimado pela importância de suas informações. Em 105 minutos, o diretor Rüdiger Suchsland deseja refletir sobre a produção cinematográfica na Alemanha sob o regime nazista, controlada a mão de ferro por Goebbels. O projeto destaca as origens desses filmes, suas principais correntes estéticas, as transformações de estilo entre 1933 e 1945, os principais filmes e estrelas, os casos de censura, os gêneros permitidos e aqueles censurados, as consequências psicológicas para o espectador, o modo como a Segunda Guerra Mundial se traduziu nos filmes, a possibilidade de representação da ideologia em imagens etc.
A princípio, tamanha ambição é louvável, e o filme tece comentários valiosos a respeito de todos esses temas. O documentário resgata a participação de Douglas Sirk e Ingrid Bergman no cinema nazista, relembra o papel da música na condução do público, a inovação de linguagem de Leni Riefenstahl, a obsessão pelo tema da morte e a função social do escapismo em tempos de desolação política. Além disso, relembra teorias valiosas de Hannah Arendt e Siegfried Kracauer.
O problema se encontra no modo como o conhecimento é transmitido. O diretor aposta num formato ilustrativo: enquanto um narrador em off explica cada filme, as imagens a que ele se refere são expostas na tela. “Show and tell”, como diria a pedagogia americana - mostre algo e explique algo. Não existe espaço para ambiguidades, dupla interpretação, provocações. Suchsland parte de dois princípios: 1. Cada filme da época nazista desperta uma interpretação precisa e única, 2. O espectador desconhece esses fatos, e não poderia intui-los sozinho. Caberia portanto ao narrador instruir seu público.
O espectador é colocado em posição passiva, tendo como tarefa única absorver o fluxo massivo de informações. As cenas são acompanhadas de explicações assim que aparecem, sem que o público possa criar suas próprias hipóteses a respeito da origem, função e significado das mesmas. O ritmo se assemelha a uma defesa de doutorado, na qual uma pessoa expõe, longamente, tudo o que aprendeu e estudou. Sentado na cadeira do cinema, o espectador se transforma num incômodo jurado de banca, porém privado do direito de debater após a exposição.
É curioso que A Hollywood de Hitler critique a “falta de ironia” das produções nazistas, devido à representação de um mundo perfeito e otimista. Afinal, a produção segue pela mesma certeza e ausência de ironia. Por mais bem-intencionado que seja, o projeto reforça os clichês imputados pelo público médio ao gênero no que diz respeito ao documentário como veículo de aprendizado, saturado de transmissões e pouco preocupado com seu valor artístico. Suchsland utiliza o cinema como linguagem de esclarecimento, não de criação.
Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.