Novos horizontes
por Barbara DemerovQualquer história sobre a relação de amor e confiança entre um humano e um animal precisa soar verdadeira, genuína. Especialmente quando a história em questão aborda temas fortes como o mal que o próprio humano faz com a fauna, assim como a repercussão disso na vida de alguém que é contra a violência animal. A Menina e o Leão pode ter problemas (mais técnicos do que em termos do trabalho do elenco), mas aos poucos vai se tornando um filme completamente capaz de entregar emoção e reflexão através da jovem Mia (Daniah De Villiers) e do leão branco Charlie. Boa parte da execução crível desta amizade se dá por conta da produção ter sido realizada ao longo de três anos, tempo suficiente para um elo entre a atriz e o animal selvagem ser criado.
É inegável sentir receio ao ver De Villiers tão próxima e confortável ao lado do leão, que vai crescendo até se tornar assustadoramente grande. Porém, o receio vai dando espaço para a ternura, e a dúvida que paira se ele poderia atacar Mia a qualquer momento também some. O que fica é o lado humano tentando a todo custo ajudar o lado selvagem em meio a um local natural ocupado e enfraquecido por homens que enxergam os leões como um grande mercado de dinheiro. A relação entre Mia e Charlie, além de bonita, prova que filmes deste gênero podem dar certo mesmo se não representarem em tela a relação entre humanos e cachorros, por exemplo. Leões, por mais selvagens que sejam, são tão inteligentes quanto o melhor amigo do homem e também reagem ao afeto.
A Menina e o Leão começa um tanto prejudicado pela sua montagem, que parece ter pressa para mostrar o leão já crescido e, com isso, reduz a força no desenvolvimento dos problemas vividos pela família de Mia. O pai, John (Langley Kirkwood), que comprou uma fazenda de leões na África do Sul, tem uma moral duvidosa no que se diz respeito ao tratamento dos animais, enquanto a mãe Alice (Mélanie Laurent) é uma defensora deles - e que já presenciou situações terríveis no passado. O irmão de Mia, Mick (Ryan Mac Lennan), acaba se tornando um grande companheiro da protagonista, mas sua história de fundo é contada rapidamente, apesar de aderir mais emoção próximo ao clímax. A passagem de tempo é marcada pelo crescimento de Charlie e aos poucos vemos o animal mais fora do que dentro de casa, transformando o filme em uma "jungle trip".
Por mais que os problemas estruturais da história sejam bem marcados pela rapidez dos acontecimentos iniciais, o filme vai seguindo por um caminho de denúncia a partir do momento em que Mia, já adolescente, testemunha uma caçadora sacrificar um leão que acabou de comprar apenas para registro. Tal situação é mais normal do que se imagina nos dias atuais e, como os créditos finais deixam claros, os leões já estão em extinção. A Menina e o Leão ganha fôlego com a intenção de Mia levar Charlie até um santuário na África onde um leão branco é esperado há muito tempo, e tal lenda torna-se cabível dentro daquela realidade - com pelo menos um leão sendo salvo por alguém que se importa.
A dinâmica da dupla é cativante e o crescimento de De Villiers é tão orgânico quanto a afeição que passa a criar pelo leão. Se antes a menina estava triste por ter saído de sua cidade natal, Londres, agora encontra um propósito e uma amizade para a vida no último local que gostaria de estar. O mais bonito é que, por mais que ame Charlie e queira permanecer ao seu lado, ela nunca deixa de ser altruísta e seu plano sempre é focado em levá-lo para a natureza e a liberdade.
De início, sua família não é nada a favor dessa amizade improvável, mas aos poucos vê que o leão representa algo maior não só para a vida de Mia como também para aqueles que encaram a natureza como um comércio cruel. A Menina e o Leão não possui as melhores qualidades técnicas, mas impressiona justamente pela simplicidade com que mostra a perspectiva e as vivências de uma corajosa jovem que se põe no lugar de um ser que não nasceu para viver enjaulado.