Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Eva

O prazer da inconsequência

por Bruno Carmelo

Um casal passeia por uma estrada, até enxergar uma cabana. Decidem arrombar a porta, entrar e fazer amor no local. Uma garota sabe muito bem que seu namorado a trai, mas diz que não se importa, contanto que ele volte sempre para ela. Um agente literário adianta grande quantidade de dinheiro a sua principal aposta literária, que não produz nada em meses – mas tudo bem, sem problema. Um rapaz rouba a peça de um escritor moribundo, publica-a em seu nome e se torna um grande sucesso. Ninguém descobre a evidente farsa.

O suspense Eva, dirigido por Benoît Jacquot, apresenta uma lógica particular. Primeiro, abandona o realismo: nenhum personagem fala ou age como pessoas reais, em situações corriqueiras. Segundo, investe em simbologias e conflitos absurdos, acessórios, sublinhando seu significado ao limite do risível – vide o cartão de negócios da prostituta Eva (Isabelle Huppert), no qual a letra “V” do nome é transformada pouco sutilmente numa vagina. Terceiro, permite que seus personagens façam o que querem, sem obstáculos legais, morais ou psicológicos.

É este o grande prazer do filme B e do cinema de gênero: imaginar uma realidade muito próxima da nossa, o mundo moldado aos nossos desejos. Mesmo assim, para adentrar este território, o público precisa ter boa vontade com a sucessão racambolesca de acontecimentos: esta é uma história de manipuladores enfrentando-se e tentando passar a perna um no outro. Espera-se que o público embarque no prazer simples de montar as peças deste quebra-cabeça, mesmo que a imagem final seja um tanto insignificante.

No entanto, Eva sofre com uma indecisão no tom, hesitando entre se levar a sério ou assumir seu delírio. O cineasta permite que os atores carreguem nas composições, mas opta por uma abundância de close-ups banais, conversas em planos e contraplanos sem imaginação. O roteiro pode estar cheio de mistérios, mas não existem duplos sentidos na filmagem acadêmica. Na montagem, os cortes abruptos evitam o prolongamento do desconforto, o despertar de dúvidas. Este é um filme transparente sobre pessoas sombrias. É curioso pensar que, com um material semelhante, François Ozon se deliciaria através da estética kitsch, e talvez Pedro Almodóvar investisse a fundo no caráter sexual. Jacquot, por sua vez, teme os extremos, fornecendo um thriller erótico sem sexo nem nudez.

Alguns paralelos poderiam ser traçados entre EvaElle (2015), outro suspense no qual Isabelle Huppert interpreta uma mulher empoderada e segura de sua sexualidade, demonstrando prazer em manipular seus agressores sexuais. O jogo de caça e caçador se mantém aqui, embora destituído de dúvidas quanto à identidade real dos participantes. O espectador acompanha os dois lados, conhece os objetivos de ambos, descobre com antecipação os gestos. Mesmo um segredo importante na vida da prostituta é fornecido sem dificuldades aos olhos do espectador. O filme retira o suspense da trajetória, restando apenas acompanhar o desfecho de um jogo de cartas marcadas.

Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.