O prazer da inconsequência
por Bruno CarmeloUm casal passeia por uma estrada, até enxergar uma cabana. Decidem arrombar a porta, entrar e fazer amor no local. Uma garota sabe muito bem que seu namorado a trai, mas diz que não se importa, contanto que ele volte sempre para ela. Um agente literário adianta grande quantidade de dinheiro a sua principal aposta literária, que não produz nada em meses – mas tudo bem, sem problema. Um rapaz rouba a peça de um escritor moribundo, publica-a em seu nome e se torna um grande sucesso. Ninguém descobre a evidente farsa.
O suspense Eva, dirigido por Benoît Jacquot, apresenta uma lógica particular. Primeiro, abandona o realismo: nenhum personagem fala ou age como pessoas reais, em situações corriqueiras. Segundo, investe em simbologias e conflitos absurdos, acessórios, sublinhando seu significado ao limite do risível – vide o cartão de negócios da prostituta Eva (Isabelle Huppert), no qual a letra “V” do nome é transformada pouco sutilmente numa vagina. Terceiro, permite que seus personagens façam o que querem, sem obstáculos legais, morais ou psicológicos.
É este o grande prazer do filme B e do cinema de gênero: imaginar uma realidade muito próxima da nossa, o mundo moldado aos nossos desejos. Mesmo assim, para adentrar este território, o público precisa ter boa vontade com a sucessão racambolesca de acontecimentos: esta é uma história de manipuladores enfrentando-se e tentando passar a perna um no outro. Espera-se que o público embarque no prazer simples de montar as peças deste quebra-cabeça, mesmo que a imagem final seja um tanto insignificante.
No entanto, Eva sofre com uma indecisão no tom, hesitando entre se levar a sério ou assumir seu delírio. O cineasta permite que os atores carreguem nas composições, mas opta por uma abundância de close-ups banais, conversas em planos e contraplanos sem imaginação. O roteiro pode estar cheio de mistérios, mas não existem duplos sentidos na filmagem acadêmica. Na montagem, os cortes abruptos evitam o prolongamento do desconforto, o despertar de dúvidas. Este é um filme transparente sobre pessoas sombrias. É curioso pensar que, com um material semelhante, François Ozon se deliciaria através da estética kitsch, e talvez Pedro Almodóvar investisse a fundo no caráter sexual. Jacquot, por sua vez, teme os extremos, fornecendo um thriller erótico sem sexo nem nudez.
Alguns paralelos poderiam ser traçados entre Eva e Elle (2015), outro suspense no qual Isabelle Huppert interpreta uma mulher empoderada e segura de sua sexualidade, demonstrando prazer em manipular seus agressores sexuais. O jogo de caça e caçador se mantém aqui, embora destituído de dúvidas quanto à identidade real dos participantes. O espectador acompanha os dois lados, conhece os objetivos de ambos, descobre com antecipação os gestos. Mesmo um segredo importante na vida da prostituta é fornecido sem dificuldades aos olhos do espectador. O filme retira o suspense da trajetória, restando apenas acompanhar o desfecho de um jogo de cartas marcadas.
Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.