“É uma cilada, Bino!”
por Renato HermsdorffUm filme pode se prestar à reflexão e/ou ao entretenimento (e aos diversos tons que existem entre uma vertente e outra). O que um filme não pode fazer é enganar o espectador. Disfarçado de indie-cult-crítico social, Patti Cake$ resulta em um conservadorismo moral de orgulhar a Hollywood mais careta. Embora o diretor talvez pense o contrário.
O primeiro terço do filme, aquele que dá conta de apresentar os personagens e a ambientação, é uma delícia. A produção é focada na figura de Patricia Dombrowski (Danielle Macdonald, sensacional), uma garota pobre, branca, com sobrepeso, cujo maior sonho é ser cantora de... rap. Ela literalmente sonha com isso - com o dia em que será conhecida pelo seu alterego, que dá nome ao longa.
Em sua jornada, é acompanhada pelo melhor amigo, o balconista de farmácia de ascendência indiana Jheri (Siddharth Dhananjay) - uma dupla cuja dinâmica faria inveja ao mais entrosado duo de rappers. E tem mais: no meio do caminho, eles se deparam com o sombrio Barterd (Mamoudou Athie), sujeito praticamente mudo, todo furado de piercing, que usa uma lente "macabra" em um dos olhos e camufla seu ódio contra o “sistema” no som pesado do heavy metal.
Em suma: sem se dar conta, o público, se vê diante de um involuntariamente apaixonante trio de outsiders roots. O sentimento (a empatia com a plateia) nasce, principalmente, da chacoalhada no estereótipo na construção do perfil da personagem principal somada à suspensão da realidade como opção narrativa, que anunciam: vem coisa boa aí.
Boa de “cuspe” (o improviso, na linguagem dos “mano”), Patti tem nos percalços do dia a dia de uma família sem boas condições financeiras os conflitos que a impedem de ser quem de fato ela quer ser (ou já é). Para cuidar da avó doente e da mãe alcoólatra (Bridget Everett) - e ex-cantora, com quem a menina guarda uma velada rivalidade doméstica -, ela aceita (tem que aceitar) fazer uma série de bicos. E aí chegamos ao segundo terço do filme.
Nesse momento, a produção usa de um artifício tão batido quanto concessivo à plateia: o alívio cômico, na figura da avó. O papel da experiente Cathy Moriarty como uma senhora ranzinza e carismática funciona (ela é hilária), mas é fruto de de uma estrutura de roteiro que nada tem de original. Não chega a ser um problema, ainda mais se comparado com a repetição de situações que quebram o ritmo alucinante do ponto de partida. Ainda assim, o longa segue com crédito.
É na terceira e última parte que Patti Cake$ perde a máscara. Se você chegou até aqui - e imagine que você está numa sala de cinema -, se proponha a pergunta: se o filme terminasse de uma maneira clichê, como seria? A resposta que o diretor e roteirista Geremy Jasper dá é exatamente a que você pensou. Ou melhor, não exatamente, porque ele ainda vai além, entregando uma resolução ainda mais piegas do que você poderia supor.
Sem spoiler, a conclusão que o filme - intencionalmente ou não - apresenta é que “se enquadrar” é o caminho do sucesso. E parecia que vinha "coisa boa". Apesar do truque (“É uma cilada, Bino!”), a gente reconhece: você vai sair cantando do cinema. Porque a trilha é boa pra c@r@l#o.