Na companhia de homens
por Bruno CarmeloPode demorar um pouco para o espectador perceber o que faz de Joan (Glenn Close) a personagem principal deste filme. Afinal, tudo parece girar em torno do marido, o prestigioso escritor Joe Castleman (Jonathan Pryce): é ele que acaba de ganhar um Nobel de Literatura, é ele que recebe os elogios e congratulações. À esposa, cabe acompanhá-lo como uma sombra, cumprimentando elegantemente os outros homens nas festas e reuniões. Mesmo assim, a imagem insiste em se focar no rosto dela enquanto o marido discursa. Quando ele descobre a notícia do prêmio, é a face dela que presenciamos, escutando a novidade pela extensão do telefone. A trama prefere se concentrar nos coadjuvantes, nas figuras de exceção.
A primeira metade é dedicada à dinâmica do casal, junto do filho David (Max Irons), aspirante a escritor. Esta parte, a mais potente do filme, efetua uma ótima investigação psicológica, mergulhando no caldeirão de ciúme, inveja, arrogância e falsas aparências que marca o pequeno núcleo de intelectuais. Os bons diálogos dão conta de mostrar como o caráter prestativo da esposa se transforma em submissão, como os agradecimentos pomposos do marido à sua “musa” soam pedantes e, como a admiração do filho pelo pai esconde uma raiva de ser comparado a ele. Essas pessoas se amam e se odeiam em igual medida, algo transmitido através constrangimentos em público e desconforto diante das regras sociais e códigos de etiqueta.
Os atores auxiliam muito nesse processo. Glenn Close, conhecida por tantos papéis extrovertidos e furiosos, oferece uma atuação contida, mas jamais vazia: cada expressão silenciosa ao lado do marido carrega uma infinidade de sentimentos, que se transformam ao longo da trama. A variação que Close traz à personagem garante a força necessária à sustentação da narrativa. Jonathan Pryce, igualmente habilidoso, evita transformar seu personagem em vilão, navegando entre a ternura e a grandiloquência com desenvoltura. Apenas Max Irons, mais fraco que os colegas de cena, encontra dificuldades em criar um arco dramático para o emburrado David. Mesmo rumo ao final, quando o filho descobre informações importantes sobre os pais, o jovem ator não trabalha a contento o choque emocional.
Apesar de ser um estudo sofisticado sobre os meios intelectuais, dissecando o papel das mulheres num ambiente machista, A Esposa é prejudicado por algumas escolhas de roteiro e direção. Primeiro, a adaptação do livro “The Wife", de Meg Wolitzer, oculta durante muito tempo um segredo previsível. Na hora de enfim revelá-lo, o impacto esperado não se produz devido à obviedade do conflito, que termina por transformar o belo drama num suspense de soluções fáceis, vistas inúmeras vezes em outros exemplares do gênero. Além disso, o retrato da opressão é construído através de flashbacks burocráticos, que ilustram o machismo sem necessariamente criticá-lo. Mesmo ao fim, quando a verdade vem à tona, é surpreendente o modo como a narrativa impede a emancipação da personagem oprimida.
Além disso, o diretor Björn Runge demonstra uma cartilha limitada de recursos cinematográficos. A câmera se limita a acompanhar personagens, filmando rostos ou corpos de acordo com a necessidade de cada cena. É obviamente tentador colar a câmera ao rosto de atores talentosos como Glenn Close e Jonathan Pryce, mas isso impede qualquer construção poética, metafórica, qualquer investigação visual - como fez François Ozon em O Amante Duplo, outra investigação psicológica, de fundo erótico, sobre as relações de dominação entre homens e mulheres. Os planos focados no rosto da esposa calada são eficazes, porém insuficientes para imprimir maior relevo às imagens, que se sucedem numa superficialidade inabalável.
O espaço dos hotéis, a viagem a uma cidade desconhecida e o contato com a língua estrangeira pareciam o contexto perfeito para reforçar o desconforto de Joan e David. No entanto, estes elementos permanecem na condição de cenários, planos de fundo jamais explorados pela direção, que filma os quartos e palácios como meros estúdios de cinema. Mesmo assim, com todas as ressalvas - que incluiriam mais uma relação predatória, envolvendo o personagem de Christian Slater, da qual Joan precisa se esquivar - o saldo de A Esposa é positivo por encarar de modo frontal a questão da masculinidade e da perenidade dos relacionamentos na terceira idade, permitindo à dupla de protagonistas demonstrar todo o seu leque de recursos dramáticos.