Discurso que se perde
por Lucas SalgadoApós se destacar com A Cidade é uma Só? e, especialmente, com Branco Sai, Preto Fica, o diretor Adirley Queirós ganhou certo reconhecimento na cena do cinema de arte, aparecendo como nome contundente e de visão própria. Com baixíssimos orçamentos, o cineasta consegue realizar produções únicas e diferenciadas.
Com Era uma Vez Brasília, Adirley tenta seguir um processo visto em Branco Sai, Preto Fica, mas pouco oferece de novo. O diretor, que aparentemente já estava trabalhando um outro longa, acabou por realizar este repentinamente diante do processo de impeachment, como forma de desovar suas angústias e frustrações. Embora compreensível a intenção, fica clara a noção de que a nova obra não foi completamente pensada. É algo quase que improvisado.
Assim como no trabalho anterior, o diretor busca unir elementos da ficção científica com documentário, o que é sempre interessante, mas nada de novo. Em Branco Sai, havia todo um cenário fantasioso, mas com um texto contundente e profundamente político. Aqui, não é o que acontece. Há muita mise-en-scène para pouco conteúdo. Os ambientes são exóticos, as interações envolventes e a câmera quase sempre no local ideal. Mas o roteiro é completamente raso.
A trama gira em torno do agente intergalático WA4, que recebe a missão de vir ao planeta Terra para assassinar Juscelino Kubitschek. No entanto, algo dá errado, e ele chega ao planeta no ano de 2016, em meio a forte tensão política. A partir daí, se une a outras pessoas na Terra para um confronto maior.
A premissa é super interessante, mas a execução é pra lá de problemática. Os personagens são quase todos mal desenvolvidos. A exceção é Andreia, uma mulher da Ceilândia que foi presa após reagir a um assédio e acabar matando seu agressor. A personagem é interessante, mas mesmo sua temática é mal aproveitada.
Era uma Vez Brasília é um filme de espera, como era Branco Sai, com o diferença é que aqui o discurso é vazio e o impacto final mal aproveitado. Como nos projetos anteriores do cineasta, há um belo trabalho de desenho de som e mixagem. Mesmo a trilha se destaca eventualmente ao som de músicas como "Leva Eu Saudade", na versão de Nilo Amaro e seus Cantores de Ébano.
Com diálogos assustadoramente pobres, a produção acaba adotando offs verdadeiros de discursos de Dilma Rousseff e Michel Temer, além de apresentar um plano longo ao som dos votos dos deputados pró-impeachment, muitos falando em família e luta contra a corrupção. O título Era uma Vez Brasília coloca o processo como uma ruptura - o que não deixa de ser. Só é uma pena que o diretor não trabalhe isso tão bem, apenas jogando informações aleatórias na tela, como o objetivo de matar JK (não por acaso idealizador da capital), que nunca é explorado por completo.
Filme visto durante o 50º Festival de Brasília, em setembro de 2017.