Críticas AdoroCinema
4,5
Ótimo
Uma Casa à Beira-Mar

Cinema de compaixão

por Bruno Carmelo

“Que pena!”, exclama um homem idoso diante da bela paisagem marítima do sul da França. Instantaneamente, ele é vítima de um colapso, motivando a chegada de seus três filhos adultos para cuidar do senhor convalescente. Esse sentimento de desolação diante de um cenário paradisíaco permeia toda a narrativa de Uma Casa à Beira-Mar. Sobre um balcão excepcionalmente bem construído (uma obra-prima arquitetônica, aprendemos), os irmãos Armand (Gérard Meylan), Joseph (Jean-Pierre Darroussin) e Angèle (Ariane Ascaride) discorrem sobre o passado, sobre ficar ou não na pequena cidade, sobre lutar para sustentar os sonhos ou aceitar a realidade cruel das sociedades contemporâneas. Em outras palavras, revoltar ou assimilar-se.

O diretor Robert Guédiguian construiu grande parte de sua carreira em torno das paisagens sulistas, dos operários e artistas em crise financeira, da esquerda tentando sobreviver em meio ao capitalismo. Como cidadão e como cineasta, ele mantém um idealismo romântico, o apego às coisas simples, aos laços familiares, à ideia de comunhão entre os necessitados. Alguns filmes são mais poéticos (O Fio de Ariane), outros, mais partidários (As Neves do Kilimanjaro), porém transparecem o mesmo apego pelos enquadramentos simples, os movimentos de câmera discretos, o estilo que faz questão de nunca se sobrepor aos personagens. Além de ser um cinema profundamente humanista, este também é um cinema da modéstia.

No novo filme, as gerações são incapazes de compreender uma à outra, ainda que não se oponham diretamente. Armand, Joseph e Angèle rejeitam a proposta do lucro desenfreado a partir do restaurante familiar, enquanto subsistem de arte (um deles é escritor, a outra, atriz) e de gestos sociais - a ajuda a refugiados ilegais. Enquanto isso, a jovem advogada Bérangère (Anaïs Demoustier) e o jovem médico Yvan (Yann Tregouët) vivem conectados a seus celulares e computadores, acreditando que o dinheiro poderá ajudar a todos. As duas esferas - o esquerdismo romântico e ressentido, o direitismo pragmático e rentável - caminham rumo à ruptura irreconciliável. “Suponho que você vá me dizer que antes era melhor?”, pergunta Bérangère, com um misto de cinismo e carinho, ao qual Joseph confirma: sim, antes era melhor. A narrativa promete um pacto de não-agressão entre opostos, ainda que não consiga imaginar a convivência entre eles.

Entre os atores, muito acostumados a trabalhar uns com os outros e também com o cineasta, transparece a familiaridade que condiz agradavelmente com a produção. Cenas de um grupo fumando na sacada, ou a brilhante cena final, reforçam a simbiose obtida através de silêncios e olhares cúmplices. A morte está sempre à espreita - do pai doente, da filha de Angèle, dos refugiados - de modo que o fatalismo contamina estes homens e mulheres solitários. Alguns se tornam rabugentos, como Joseph, outros preservam certa nobreza moral, a exemplo de Armand. Mas todos se comunicam em diálogos lúdicos demais para a prosa cotidiana, e ao mesmo tempo singelos demais para o arroubo da performance artística. “Eu não quero mais dançar”, diz o amante para comunicar o término o relacionamento.

Talvez nem tudo funcione às mil maravilhas no projeto. Alguns flashbacks envolvendo uma criança, em câmera lenta, são particularmente fracos, e tamanho pesar nas falas e ações pode gerar um efeito de imobilidade, ou mesmo teatralidade, que afasta este drama de projetos mais solares e comerciais do diretor. No entanto, estes aspectos são raros diante de tantos momentos comoventes e bem orquestrados - a carta do casal idoso, o polvo, o encontro na casa escura, os soldados tomando café, o aperto de mão entre dois garotinhos assustados. Guédiguian sustenta um humanismo belo, de gestos minúsculos porém essenciais, praticamente anacrônicos no cinema de hoje. No século XXI, alguns filmes “pequenos” são ostensivamente minimalistas, autorais, visando impressionar por sua simples existência. Uma Casa à Beira-Mar, por sua vez, é apenas simples; e neste olhar empático ao ser humano encontra-se uma sofisticação que poucas obras conseguem alcançar.