Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Canastra Suja

A festa da destruição

por Bruno Carmelo

Este drama começa muito bem. Somos apresentados aos membros de uma família de classe média-baixa, cada um com um problema específico: o pai Batista (Marco Ricca) é alcoólatra, a mãe Maria (Adriana Esteves) tem um amante, a filha Emília (Bianca Bin) está se envolvendo com o chefe, o irmão Pedro (Pedro Nercessian) não quer trabalhar nem estudar, e a filha mais nova, Rita (Cacá Ottoni) sofre de autismo. Pode ser um tanto acessório definir os personagens por seus problemas, mas o roteiro consegue desenvolvê-los de modo naturalista.

Os conflitos individuais parecem verossímeis graças ao trabalho de fotografia: com longos planos-sequência em câmera na mão, cria-se uma excelente dinâmica dentro da casa, registrando cada detalhe dos corpos e dos movimentos. Os atores estão próximos de uma fluidez teatral, podendo se expressar com aparente liberdade na criação dos textos e nos gestos. Tem-se a impressão de que a câmera se acomoda à interação dos atores, e não o contrário.

O elenco se sai muito bem. São raros os filmes com atuações tão homogeneamente competentes. Em especial, os atores conseguem retirar os personagens dos estereótipos fáceis em que poderiam se inserir (o pai alcoólatra, a dona de casa entediada etc.). No início, pelo menos, existe grande afeto do diretor Caio Sóh por esta família disfuncional que, embora brigue e discorde, ainda faz o possível para manter o núcleo unido. É com prazer que se assiste à caracterização truculenta, mas terna de Marco Ricca, ou à destreza de Bianca Bin no trabalho de diálogos.

Embora a primeira metade de Canastra Suja aponte para um belo drama irônico à la Nelson Rodrigues, a segunda metade põe o projeto a perder. O roteiro se deleita em empurrar a família ladeira abaixo, complicando cada problema, acentuando as brigas e os gritos. O afeto existente no começo se dissipa: logo descobrimos personagens capazes de ações monstruosas, por perversão ou indiferença, numa estrutura em que, quanto pior ficar, melhor. O filme passa a acreditar que o excesso transmitiria uma verdade mais intensa, embora o resultado seja o oposto: a intensificação do caos transparece o questionável fetiche da destruição.

A montagem, até então muito hábil na articulação das histórias paralelas, dedica tempo demais ao caso do filho Pedro, numa subtrama frágil pelo escárnio com que trata a prostituição e a homofobia. O maniqueísmo se acentua de modo a surgirem vilões como o rico dono de um telefone celular e o rico cliente de prostituição. A sordidez vira uma intenção em si, uma espécie de discurso retórico sobre a família e a sociedade. Esta abordagem é coroada pela indigesta cena de conclusão, que se pretende sarcástica na subversão do final feliz, mas soa apenas inverossímil naquele contexto. Canastra Suja começa interessado em seres humanos com problemas, mas depois se interessa mais pelos problemas do que pelos seres humanos.

Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.