Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Wonka

É como provar o chocolate favorito depois de anos

por Diego Souza Carlos

Independente do resultado, tocar em franquias já estabelecidas é sempre um risco para qualquer estúdio. Quando pensamos no elenco envolvido, ainda há outras preocupações por parte do público: esses novos atores irão honrar o legado da história original? É correto mexer em algo já estabelecido na cultura pop? Apesar de muitos baterem o pé com o anúncio de Wonka, prelúdio de A Fantástica Fábrica de Chocolate, o projeto de Paul King chega aos cinemas para refutar todos esses questionamentos da maneira mais branda e gentil possível.

Para contar a história do personagem-título, interpretado por Gene Wilder em 1971 e Johnny Depp em 2005, o diretor conhecido por seu trabalho em As Aventuras de Paddington convocou o astro em ascensão Timothée Chalamet. Em seu primeiro grande trabalho como protagonista de um longa do gênero - considerando que DunaMe Chame Pelo Seu Nome contam com propostas distintas -, o ator se destaca tanto por seu trabalho corporal, do canto aos maneirismos, quanto em dar veracidade a uma versão sonhadora de Wonka.

Baseado na obra de Roald Dahl, um dos livros para crianças mais vendidos de todos os tempos, a trama mostra como o maior inventor, mágico e fabricante de chocolate do mundo se tornou o amado Willy Wonka que todos conhecemos hoje. Com a veia musical pulsante, o longa apresenta o turbulento, porém cativante, início da jornada do protagonista rumo ao seu maior sonho: abrir sua própria fábrica de chocolates para honrar sua família.

Um musical açucarado

Desde os primeiros segundos de Wonka, o público deve se deparar com um traço que seguirá de forma fixa durante toda a narrativa: o cinema musical. Mesmo que o estilo possa afastar algumas pessoas, é cativante ver como a inserção de cada canção aproveita ao máximo os cenários e atores. Há um quê teatral durante todos estes momentos, com a presença de diálogos entre cantorias, coreografias ambiciosas e movimentos expansivos. Tudo sob a direção confiante de King.

A inspiração do cineasta, obviamente, está nas duas versões originais de A Fantástica Fábrica de Chocolate nas telonas, nas quais o pitoresco Willy Wonka se torna hipnotizante enquanto conduz a narrativa aos seus próprios moldes. Ainda que dois atores tenham eternizado, à sua forma, o personagem no imaginário popular, Chalamet aparenta segurança ao encontrar a sua própria maneira de apresentar o inventor.

Com algumas referências aos projetos anteriores, a história utiliza também as músicas como uma expressão natural deste universo lúdico: aqui, a trilha sonora é quase um personagem que auxilia Wonka e demais personagens a compreenderem as mazelas em que se encontram. É através destas sequências que, também, os indivíduos conseguem expressar seus sentimentos mais profundos.

Tais escolhas criativas colaboram para que exista uma suavidade em temas mais complexos, algo que se encaixa completamente na proposta sonhadora do filme. Em conjunto, pode-se dizer que os momentos de comédia se entrelaçam de forma orgânica a estes trechos, uma comicidade infantil, por vezes boba, mas muito bem executada.

A humanização de Willy Wonka

Os fãs de longa data podem estranhar algumas mudanças na história de origem de Willy Wonka, mas dificilmente ficarão decepcionados com a maneira como isso é feito. Durante a trajetória deste jovem ambicioso, descobrimos as motivações impulsionadas por barras de chocolate e doces voadores: tudo está conectado à família. Apesar de ter uma vida dura, o seu amor e a vontade de cumprir uma promessa feita na infância são mais importantes do que qualquer competição entre lojas.

Em um dos momentos mais doces da trama, vemos o pequeno personagem em um flashback que, por alguns instantes, pausa a história para viajar a um lugar especial na memória do protagonista. Essa sequência, com a presença de Sally Hawkins, indicada ao Oscar por A Forma da Água, é de uma delicadeza sem tamanho, em que se entende a extensão da vontade de vencer e da liberdade para sonhar vista nos olhos do fabricante de chocolate.

Paul soube dinamizar o contraste entre situações a partir de cenas como essa, em que a linguagem cinematográfica se expande para denotar a importância e o tempo dos acontecimentos. Ações como essas são vistas não apenas nesta cena específica, mas também em um vislumbre da imaginação de Noodle, personagem interpretada brilhantemente por Calah Lane. Nela, animações dominam a tela com traços vivos - dada a irregularidade deste sonho, desta vontade da criança em ser acolhida.

Wonka ainda permite que o personagem, visto por muitas vezes como uma pessoa egoísta, tenha suas camadas expostas ao público. Em determinado ponto, ao procurar o sabor ideal, ele comenta que um dos seus maiores sonhos é “se sentir como naquela época” em que tudo era mais simples, um pensamento recorrente na mente de pessoas que perderam entes queridos ou deixaram para trás laços de uma vida. A atmosfera otimista, inclusive, é aproveitada de forma estratégica fora das telas - afinal, o longa chega aos cinemas no final do ano, período em que a sensibilidade do Natal está em voga e os desejos de renovações para um novo ciclo se manifestam.

Sejam bem-vindos à Fantástica Fábrica de Chocolate

Mesmo que o astro de Duna esteja com todos os holofotes direcionados para si, Wonka não é um filme que se apoia apenas no carisma e no talento do ator. Talvez uma das características mais louváveis do longa-metragem esteja na forma como o roteiro e a direção se relacionam com todos os núcleos do elenco. Há espaço para que a história de todos eles seja contada, sem que a narrativa soe apressada ou atribulada, como algumas bombas de chocolate podem ser.

Mais uma vez, é um deleite ver Olivia Colman em tela. Sua vilanesca performance está alinhada ao trio de lojistas interpretados por Paterson JosephMatt Lucas e Mathew Baynton, que, apesar dos aspectos mais caricatos, estão em ótima forma. O mesmo pode-se dizer de Keegan-Michael Key, Rowan Atkinson, Jim Carter, Natasha Rothwell, Rich Fulcher, Rakhee Thakrar, Tom Davis e Kobna Holdbrook-Smith, um elenco extremamente competente em suas atuações. E, claro, não poderia deixar de citar o bizarro - e charmoso - Hugh Grant como Oompa-Loompa.

Embora haja alguns tropeços, como o uso de fat suit (traje com preenchimentos que transformam um ator magro em personagem gordo) e algumas soluções previsíveis no ato final, é inegável que a versão de Paul King para Wonka é encantadora. A construção de universo, com uma mistura bem elaborada de efeitos práticos e especiais, dá um toque singular ao projeto que poderia facilmente ser genérico. É impressionante experienciar uma atmosfera fabular que, para muitos, deve se juntar aos universos mágicos de obras como Harry PotterO Estranho Mundo de Jack e Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas.

O cuidado com cada detalhe cria uma fantasia que não se resume aos efeitos e músicas, mas dá espaço para o elenco brilhar, e demonstra que ao redor de toda a magia há seres humanos na jornada por um final feliz. Sem medo de manchar o legado dos antecessores, cria-se uma versão deste universo intrínseco à cultura pop em que a esperança é o motor. É como encontrar a magia necessária para causar, através do audiovisual, o mesmo efeito que um chocolate quente num dia frio.