O homem que discutia
por Bruno CarmeloPara retratar os conflitos de uma família, a maioria dos roteiristas criaria duas ou três cenas capazes de representar os ressentimentos entre esposa e marido, pais e filhos. Basta que um elemento simbolize os outros, sugira a existência de momentos semelhantes. Mas o diretor e roteirista Nuri Bilge Ceylan não opera desta maneira. Ele acredita que, para representar a crise entre o jovem Sinan (Dogu Demirkol) e o pai, a mãe, a irmã, a cidade natal e a profissão de escritor, é preciso desenvolver cenas em que as desavenças surjam aos poucos, ao fio de longos diálogos, tecidos de maneira lenta e progressiva.
Devido a esta escolha, The Wild Pear Tree ganha muito em profundidade de personagens, mas perde em fluidez narrativa. Por um lado, é excepcional a complexidade de Idris (o excelente Murat Cemcir), o pai decadente, que ama a família enquanto se mantém à distância, ou as camadas embutidas sobre a dificuldade de viver da profissão de artista no século XXI. Por outro lado, o drama atinge 3h10 de duração através de cenas de cerca de vinte minutos cada, baseadas unicamente em diálogos. A conversa é motor de ação, de provocação física (o poço, o bebê coberto de formigas) e moral.
Durante a primeira exibição, no festival de Cannes, um número considerável de críticos abandonou a sessão. De fato, o filme aposta numa narrativa árida, que não simplifica seu discurso para agradar um maior número de espectadores. A dinâmica é tão simples quanto bruta: Sinan retorna à cidade onde nasceu e, deslocando-se pelas ruas, encontra novas pessoas com quem discutir. O jovem debate com o imam local, a mãe solitária, o secretário da prefeitura, os comerciantes. Cada cena funciona como uma esquete à parte, abordando temas amplos como os costumes, a cobiça, o amor. O filme aposta numa filosofia não acadêmica, embutida de maneira orgânica no cotidiano dos personagens.
Mesmo assim, não é fácil se identificar com um protagonista tão arrogante, julgando-se superior a todos. Também é difícil compreender algumas escolhas estéticas do cineasta, conhecido pelo formalismo e pelas composições impecáveis de som e imagem em Sono de Inverno e Era uma Vez na Anatólia. Aqui, ele trabalha com a textura digital de baixa qualidade, saturando as cores e os contrastes. Consequentemente, Sinan adquire uma aparência alaranjada, as luzes das janelas estão estouradas e os cenários adquirem um tom estranho, acima do verossímil. Por se concentrarem em rostos conversando, os enquadramentos limitam-se aos planos de conjunto, eventualmente fazendo recortes dentro da própria imagem, numa tentativa contestável da montagem para imprimir ritmo.
Fica a curiosa impressão de uma obra de orçamento reduzido em comparação com as anteriores, ou talvez de uma busca pela verdade através da desconstrução do habitual estetismo do diretor. The Wild Pear Tree se conclui num belo momento, otimista e silencioso. Mas isso não impede a obra de ser amarga, cansativa, e ainda mais hermética do que as anteriores de Ceylan, por abandonar o refinamento estético em busca de um humanismo depurado.
Filme visto no 71º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2018.