Romance cinzento
por Bruno CarmeloO espectador começa este drama sem conhecer as principais informações sobre as personagens. Vemos Ronit (Rachel Weisz) receber uma ligação importante em seu estúdio fotográfico nos Estados Unidos e fazer uma viagem de volta à Inglaterra, seu país de origem. Mas demoramos a entender o risco de sua presença no funeral, em que circunstâncias saiu do local, quem deixou para trás, quanto tempo ficou fora, qual a sua relação com o falecido. Este início representa a melhor parte do filme, porque propõe uma identificação com a personagem antes mesmo de podermos julgá-la. Ronit está de luto, e perdeu alguém importante. Para o diretor Sebastián Lelio, é isto que realmente importa.
Aos poucos, descobrimos que a fotógrafa viveu um caso amoroso com a amiga Enit (Rachel McAdams) no passado. Dentro de uma comunidade judaica conservadora e pequena, o relacionamento foi motivo de escândalo, levando ao exílio da primeira e ao casamento forçado da segunda. É questão de tempo antes que o reencontro reacenda os sentimentos passados. A narrativa trabalha com um prenúncio de tragédia, uma espécie de equivalência entre o amor e a destruição. O roteiro dedica-se a tornar esta aproximação lenta, delicada, e mais intensa a cada encontro. Quando enfim chegam os beijos e o sexo, o espectador compreende plenamente a natureza do sentimento amoroso de cada uma – Ronit, a bissexual que jamais se relacionou com outras mulheres, e Esti, a homossexual que se esconde num casamento de fachada.
Desobediência faz questão de ressaltar a infelicidade das protagonistas. Esteticamente, este é um mundo cinzento, de dias nublados, personagens vestidos apenas de preto e cinza – seja pelo luto, seja pelo pudor da religião -, trilha sonora fúnebre, montagem lânguida, e câmeras opressivamente focadas nos rostos, de modo a captar cada olhar furtivo e nostálgico, cada humilhação em silêncio. Enquanto isso, rabinos discursam sobre os perigos do livre arbítrio (os homens, diferentemente dos anjos e dos animais, têm a possibilidade de descumprir a vontade de Deus, ele afirma) além do valor da honra, da autoridade masculina, das obrigações conjugais. A profunda violência da trama acontece através de palavras e de um asfixiante código moral.
A pesada atmosfera serve ao mesmo tempo como atributo, em termos de realismo e respeito às regras judaicas, e como desvantagem no que diz respeito ao ritmo e à evolução das personagens. Lelio não enxerga nenhuma possibilidade de respiro, nenhuma metáfora que faça as personagens felizes – Rachel McAdams e Rachel Weisz estão condenadas a ostentarem um semblante doloroso cena após cena, como se segurassem as lágrimas ao longo de quase duas horas de duração. Ambas possuem recursos de sobra (mesmo com o sotaque britânico vacilante de McAdams), completando o trio com o brilhante Alessandro Nivola, mas suas personagens praticamente não se desenvolvem – o desejo sexual e o sentimento amoroso existiam desde o começo, e continuam existindo da mesma forma até o final. Lelio demonstra maior preocupação social do que estética, sendo incapaz de oferecer alternativas aos close-ups. De certo modo, ele critica a opressão sendo igualmente opressor.
Desobediência se sobressai positivamente pela coragem em adotar unicamente o ponto de vista feminino, pela frontalidade na abordagem do sexo, e por preferir os dramas internos ao espetáculo de choros, brigas e lágrimas. Este é um drama à moda antiga, do tipo que coincide profundidade de personagens com a intensidade de seu sofrimento, acompanhando-os tacitamente através de um périplo esperado. Ao espectador, cabe o olhar de compaixão, mas jamais o posicionamento crítico. Este é um projeto de piedade, ternura e cumplicidade. Mesmo assim, a cartilha humanista é desempenhada com competência, graças ao trio de atores bem escolhidos, que talvez pudessem oferecer ainda mais caso o projeto permitisse maior criatividade ou variação.