Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Redemoinho

Da falta ao “excesso” de subtexto

por Renato Hermsdorff

Quando esteve no Brasil em 2014 – e ministrou uma oficina na TV Globo –, o norte-americano Robert Mckee, teórico do roteiro (o formato hollywoodiano, diga-se), disse que faltava “subtexto” nas séries brasileiras. “No Brasil (...), eles fazem os personagens explicarem os sentimentos e as ações. A inteligência do público é subestimada. Os roteiristas acham que, se não fizerem isso, as pessoas não irão entender. Quando confiarem no telespectador, a qualidade vai melhorar”, declarou à época em entrevista ao jornal Folha de São Paulo.

O estudioso chegou à conclusão justo depois de assistir a uma das mais elogiadas produções da emissora daquele ano, O Canto da Sereia, do diretor do hit Avenida Brasil, José Luiz Villamarim, com roteiro de, entre outros, George Moura. Nos anos seguintes, a parceria Villamarim-Moura viria a se repetir em O Rebu e Amores Roubados, por exemplo, todas séries/ minisséries reconhecidas pela qualidade técnica e domínio estético claramente superiores às outras produções da Globo, mas cujas tramas não escaparam às críticas negativas exatamente pela falta de subtexto.

Mas cinema é outra história. Dadas as convenções (e concessões) inerentes ao universo da TV (sobretudo em se tratando de uma emissora aberta, líder de audiência), na migração para a tela grande, Villamarim e cia., a despeito da expectativa que transição já despertava, tinham toda a possibilidade de arriscar mais. E foi exatamente o que fizeram. Pelo menos (e ainda mais), do ponto de vista da imagem. O resultado é Redemoinho, longa mais poético (e "bem filmado") da cinematografia brasileira desde Lavoura Arcaica (este, coincidentemente, realizado por outro Luiz, também vindo da TV, o Fernando Carvalho). 

Baseado no livro “O Mundo Inimigo – Inferno Provisório Vol. II”, do escritor Luiz Ruffato – do qual pede muitas “licenças” –, o filme se passa na cidade mineira de Cataguases, onde dois amigos de infância se encontram numa véspera de Natal, depois de longos anos afastados, para pôr a prosa em dia. Regada a muito álcool, a reunião de Gildo (Júlio Andrade, provocador), que “enricou” em SP, e Luzimar (um Irandhir Santos... apático), que ficou “pra trás” e se casou com uma ex-prostituta (papel de Dira Paes), começa amistosa, mas cresce em intensidade, assombrada por uma tragédia que une o passado dos dois.

Nem Júlio; nem Irandhir. O protagonista de Redemoinho é, como já indicado, a imagem. (Mais uma vez) Em parceria com o cultuado fotógrafo Walter Carvalho (aliás, o mesmo de Lavoura), o que os realizadores entregam é um produto de um deleite visual acachapante. Entre o lirismo de uma cena em que a câmera lenta acompanha jovens pernas de garotos jogando futebol à tensão de observar um ataque pela janela de uma casa de um ponto de vista que coloca o expectador do outro lado da linha de trem, o enquadramento nada óbvio da câmera de Carvalho resulta em belíssimos planos que ratificam Villamarim como um esteta da imagem.

Contribui (e muito) para a narrativa o som ora explosivo – de um ambiente (ele mesmo personagem) que engloba uma fábrica de tecelagem (onde Luzimar trabalha) e a tal linha de trem que tangencia as habitações da população local –; ora silencioso (a ausência de som, nem mesmo há trilha incidental), que permite ao espectador a chance do respiro que o melodrama nem sempre oferece.

Com tamanho investimento na imagem, no entanto, é uma pena que o enredo desemboque em um texto tão lento e desinteressante em comparação. Vazio, pontuado de silêncios, é tão difícil se envolver com os conflitos dos protagonistas, que a sensação que fica é a de que tanto faz onde essa história vai parar. Não à toa, o filme termina em um anticlímax que não leva a lugar nenhum. Se a falta de subtexto assombrou a dupla Villamarim-Moura na TV, é o “excesso” o pecado nessa estreia no cinema, hermética.

Filme visto durante a cobertura do Festival do Rio, em outubro de 2016.