Um deputado contra o sistema
por Bruno CarmeloQualquer brasileiro que tenha acompanhado os últimos anos da política nacional deve conhecer o nome de Jean Wyllys, deputado do PSOL, assim como os mais populares porta-vozes da bancada do BBB (Boi, Bala e Bíblia), como Jair Bolsonaro e Marcos Feliciano. Não é novidade que eles travam batalhas frequentes na Câmara e nas redes sociais, um pregando o pensamento progressista, os outros, o conservadorismo. As brigas envolvendo o “kit gay”, a designação de Feliciano à Comissão dos Direitos Humanos e das Minorias e os cultos evangélicos em instituições políticas ainda devem estar frescas na cabeça dos espectadores mais politizados.
Neste sentido, o documentário Entre os Homens de Bem pode trazer poucas novidades na seleção dos fatos, embora seu poder de investigação e síntese seja notável. Os diretores Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros acompanharam o trabalho de Jean Wyllys durante anos, incluindo no filme as conversas de bastidores, os pronunciamentos em público, os textos nas redes sociais, as ameaças de morte, as brigas diante de outros deputados etc. Embora adote uma estrutura globalmente linear, o projeto permite alinhar seus capítulos internos de modo livre, com idas e vindas em diferentes episódios de acordo com a afinidade temática ou visual.
Portanto, os 102 minutos de duração passam rápido, não pela pressa na exposição de episódios, mas pelo dinamismo da montagem. Fugindo à estrutura das telerreportagens, os cineastas permitem fazer divagações pessoais e captar momentos poéticos, com as nuvens carregadas sobre Brasília ou o ritual de purificação de Jean Wyllys às vésperas da reeleição ao cargo. O filme articula pontos de vista de ambos os lados, entrevistando Bolsonaro e Feliciano sem contestá-los. O discurso é claramente de esquerda, porém capaz de ouvir de modo respeitoso a posição dos adversários.
É curiosa a tentativa de transformar Entre os Homens de Bem num filme apartidário. As siglas estão subentendidas em muitas cenas, mas majoritariamente eliminadas na montagem. Os diretores preferem visualizar nesta disputa um embate puramente ideológico ao invés da presença de alianças ou decisões econômicas. Do mesmo modo, ao eliminar o peso do partido, o filme faz de Jean Wyllys um combatente solitário, como se fosse o único a defender pautas progressistas como o casamento gay.
Ora, esta luta existe muito antes do deputado, em partidos como o PT e o PCdoB igualmente, além de outras figuras importantes do próprio PSOL, que aparecem marginalmente no projeto (Chico Alencar, Marcelo Freixo, Ivan Valente), mas não são nomeadas. O filme caminha no perigoso limite da personalização da política, elegendo um único deputado para representar uma espécie de herói ou messias (desde a purificação no começo até a mensagem poética no fim), em missão quixotesca contra a força majoritária dos partidos de direita. Seria importante mostrar que, sem a estrutura de um partido que apostou nele, Jean Wyllys não teria o estatuto que possui hoje na política nacional.
Ao invés de mostrar seu percurso partidário, o filme insiste até demais em sua trajetória no reality show Big Brother Brasil. Trechos longos são exibidos de modo a comparar as manipulações e conchavos do programa televisivo com o jogo sujo da política profissional. Entre os Homens de Bem sugere que Jean Wyllys estaria ainda mais bem preparado ao cargo por ter resistido aos ataques organizados dos “brothers” com quem convivia. O deputado torna-se um sobrevivente.
Apesar de eventuais questionamentos éticos e cinematográficos, o documentário consegue articular pensamentos políticos que dificilmente deixarão qualquer lado da discussão indiferente. Trata-se de uma bela constatação e descrição do impasse político atual, sugerindo a luta diária como única forma de conquistar progressivas vitórias contra um sistema opressor.
Filme visto no 24º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2016.