Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
O Amor no Divã

Ela não me entende, ele também não

por Bruno Carmelo

“Todo mundo tem problemas sexuais”. O título do filme de Domingos Oliveira resume de certo modo esta comédia nacional, que também poderia emprestar o título do francês “Como eu me envolvi numa briga (minha vida sexual)”, em tradução livre da obra de Arnaud Desplechin. A premissa não é inovadora: O Amor no Divã pretende cruzar a vida de dois casais principais – além de um casal de mulheres e de um casal idoso – para provar que as dificuldades no relacionamento atravessam todos os gêneros, idades e orientações sexuais.

As duas duplas apresentam uma estrutura simétrica. Na primeira, unida há 30 anos, é ela quem quer fazer sexo e se esforça para manter a união, diante do descaso do marido. Na dupla mais jovem, é ele o personagem aflito e sedento por sexo, enquanto ela só pensa no trabalho. A intenção do roteiro de Juliana Rosenthal K. é louvável, por privar a história de alguns preconceitos tão comuns em comédias populares sobre guerra dos sexos (“mulheres são histéricas”, “homens são mulherengos” etc). A histeria, a solidão e a sensação de desgaste no relacionamento são democraticamente distribuídas na sociedade – embora o recorte da trama se atenha à classe média branca.

O elenco demonstra recursos evidentes para a comédia, porém o diretor Alexandre Reinecke conduz cada ator como se estivesse num projeto diferente: Zezé Polessa exagera nos trejeitos e olhares, enquanto Daniel Dantas mantém o tom minimalista nos gestos e na dicção típica. Paulo Vilhena possui os diálogos mais sarcásticos do roteiro, mas nunca sabe se entrega estas falas de modo realista ou irônico, sublinhando o humor ou deixando-o transparecer por si só. Fernanda Paes Leme corre o risco de soar como a personagem mais antipática pela aplicação sistemática de amargura em cada diálogo. Todos esses registros possuem seu valor e sua comicidade, mas o conjunto se anula ao invés de se complementar.

No entanto, as maiores deficiências de O Amor no Divã são de ordem técnica. A direção não consegue imprimir ritmo às cenas, nem explorar o espaço da casa e da sala de terapia, fundamentais a uma trama sobre disputas domésticas. Os diálogos são filmados em planos de conjunto repetitivos e burocráticos, explorando recursos banais como a imagem da fachada do casarão relembrando várias vezes que estamos no consultório da terapeuta. Além disso, a captação de som direto apresenta problemas, e a fotografia é bastante deficiente: nas cenas internas, por exemplo, uma iluminação amarelada e sem contraste achata os personagens ao fundo.

Quando entram em cena alguns pesadelos das protagonistas – infelizmente, são apenas as mulheres que se sentem pressionadas, temendo a infidelidade masculina – a comédia parece que vai enfim apresentar a criatividade que se prestaria tão bem ao tema. Mas as expectativas são sabotadas: até os pesadelos revelam-se convencionais, comportados. A maior ousadia, veja só, fica por conta da dança de um ator com as nádegas à mostra. Para um filme que aborda diretamente os desejos, frustrações e questionamentos da moral – inclusive religiosa, com menções ao judaísmo – o projeto tem medo de ir a fundo em seu tema e suas imagens.

Talvez O Amor no Divã merecesse as loucuras lúdicas de Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo Mas Tinha Medo de Perguntar, de Woody Allen, as perversões de Seus Amigos, Seus Vizinhos, de Neil LaBute, ou mesmo o sarcasmo feroz de Felicidade, de Todd Solondz. As expressões de Zezé Polessa e a tenra ingenuidade de Paulo Vilhena se encaixariam muito bem num universo de absurdos e transgressões. Mas o espectador tem que se contentar com temas complexos abordados na superfície, com medo de ofender ou desagradar, através da mecânica simples de planos e contraplanos, brigas e reconciliações, música alegre ao fim de cada cena e uma discussão infantilizada dos dramas adultos. Os desejos humanos não cabem no esquematismo da farsa, nem no otimismo forçado da conclusão proposta pelo roteiro.