Os desprezíveis
por Bruno CarmeloPobre Marijana (Mia Petricevic). A jovem deve sustentar sozinha um pai abusivo e conservador, uma mãe chantagista e um irmão mais velho com distúrbios mentais. Nas ruas, os vizinhos são fofoqueiros, as amigas são falsas, os colegas de trabalho são competitivos, os patrões funcionam como tiranos. Os rapazes de sua idade são grosseiros, machistas, enquanto o ambiente ao redor é inóspito. Ela tem pouco dinheiro, nenhum amigo real, nenhum afeto. Em Encarando Meu Prato, o mundo é um péssimo lugar para se viver.
O retrato efetuado pela diretora Hana Jusic não é dos mais realistas. Apesar da câmera semidocumental, tremendo nervosamente de um rosto a outro, e das cores dessaturadas, estamos no terreno simbólico do inferno: Marijana é provavelmente a única pessoa munida de empatia nesta Croácia decadente. Caso alguém ainda não tenha entendido como o lar é agressivo, o roteiro descreve pessoas malcheirosas, com erupções nas peles, dormindo em lençóis e roupas sujos, comendo refeições de aspecto asqueroso. Para um filme concentrado em dezenas de refeições de família, os pratos em cena são capazes de tirar o apetite de qualquer espectador.
Os exageros de Encarando Meu Prato (o título internacional, na verdade, seria “Pare de encarar o meu prato”) provocam duas reações imediatas: a primeira é a empatia imediata com a protagonista – afinal, quem não torceria por uma mártir tão sofredora? -, apesar da composição apática de Mia Petricevic. A segunda é a leitura de fábula: o filme fornece uma trajetória exemplar e repleta de estereótipos, para melhor afirmar a sua moral, que se poderia supor libertadora, como numa versão croata da Cinderela.
Ledo engano: a diretora acena para diversas possibilidades de felicidade para Marijana (a fuga, a liberação sexual, a tomada de poder à força dentro do núcleo familiar), mas abandona-as uma por uma. É como se, ao fim, a Cinderela tivesse que devolver o castelo, o sapato de Cristal, fosse abandonada pelo príncipe e voltasse a ser oprimida pela madrasta malvada – uma figura muito próxima de sua mãe neste filme, a vilã mais tirânica que o cinema em live action trouxe em anos. Mas que visão de mundo se traduz nesta escolha narrativa?
Por um lado, é notável que o filme não recorra a soluções fáceis ou um otimismo injustificável, como em muitas produções agridoces do festival de Sundance. Por outro lado, as incessantes humilhações impostas à protagonista são bastante incômodas, no limite do sadismo. Encarando Meu Prato repete, do início ao fim, que a vida em sociedade constitui um projeto fracassado. Cabe às pessoas aceitar essa sina e lidar com seu calvário da maneira que suportarem melhor. Trata-se de um modo desolador de ver o mundo, e também de ver o cinema.
Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.